Nunca tinha ido assistir a um jogo de futebol, todos me falavam da emoção de estar na arquibancada, torcendo, vibrando, gritando, mas eu não via a menor graça, preferia o conforto de assistir em casa. Até que, num domingo, 16 de julho, meu amigo Leni me convidou para a final da copa do mundo que seria disputada por Brasil e Uruguai, em que só teriam torcedores daqui, pois a torcida do rival havia sido punida e não poderia estar presente. Resolvi aceitar e dar uma chance a mim mesmo. Leni me entregou o ingresso e disse que, sozinho, teria que escolher, entre os diferentes setores, um que eu me encaixasse melhor, ele apenas apresentaria-os a mim já que trabalhava lá. Pensei: como existiriam diferentes setores se todos estavam torcendo pelo mesmo time? Mas eu ia. E fui. Ao entrar no Maracanã, a primeira impressão foi boa. Lindo, cheio de pessoas energizadas, baterias, bandeirões, cantoria, festa, cores. Confesso que fiquei até arrepiado na hora. Estava bem cheio, mas não lotado, com três setores preenchidos: leste, oeste e sul. Rapidamente, depois daquela primeira impressão que me pareceu uma galera homogênea, pude observar o diferente comportamento das torcidas; leste e oeste, localizadas à minha esquerda e direita, respectivamente, trocavam ofensas e xingamentos entre si. Já a que estava ao fundo, no sul, me pareceu mais pacífica. Leni chegou e logo foi fazer as apresentações. Começou pelo setor leste, torcida responsável pela maior festa nas arquibancadas. Segundo ele, ali ficava o "povão", que combatia a privatização dos estádios, lutava pela diminuição do valor do ingresso para que houvesse maior inclusão social nas arquibancadas e, também, pela democratização do futebol, com times menos elitizados. Me explicou, ainda, que bem na ponta, dentro do próprio setor, ainda existia uma espécie de subdivisão com os revolucionários, que pretendiam alcançar o bem estar coletivo através de medidas bem radicais. Dando a volta, chegamos ao setor oeste e, ao contrário do que acabara de ver, lá estava a torcida elitista, onde não tinha tanta festa assim, a maioria se encontrava em seus assentos, num sentido de ordem. Grande parte daquelas pessoas tinham relações com os dirigentes que queriam encarecer o futebol, eram contra o projeto de lei prestes a ser aprovado que estabeleceria cota de ingressos para quem possuísse renda baixa e acreditavam que o povo deveria trabalhar mais e não diminuir o preço dos ingressos. Uma coisa tinha em comum, aqueles que ficavam localizados à ponta do setor, só que dessa vez, eram elitistas extremamente conservadores e exclusivistas. Estava explicado o porquê dos insultos e provocações antes percebidos por mim. Agora só faltava um, aquele mais tranquilo que eu disse no começo. Andamos até o setor sul, que pela divisão espacial do estádio, era naturalmente menor. Leni me disse que lá era a torcida mista, composta por pessoas que partilhavam das "ideias leste e oeste", mas claro, sempre existiam aqueles que tinham mais afinidade por uma ou outra. Resumiu dizendo que, aquela torcida, pregava mais tolerância e era o equilíbrio do estádio. Leni se despediu dizendo que já estava atrasado pois o jogo já iria começar e ele precisava fazer os ajustes finais para a transmissão. Agora era comigo. Pensei, olhei para aqueles três setores que acabara de conhecer e tomei uma decisão que ele não esperava. Agradeci o convite mas já estava indo embora. Nenhum setor havia me convencido. Tive a impressão que toda aquela briga de ideologias se sobrepôs ao único objetivo comum, a torcida pela seleção brasileira. Não era o que eu esperava encontrar. Voltei para casa, voltei para minha realidade de torcedor de sofá, era melhor assim. Resultado final: 2 x 1 Uruguai. Maracanaço. Brasil derrotado em casa.
Frida Kahlo
Bela analogia feita! Gostei do fato de o texto apresentar uma visão ampla da realidade, romper as correntes do lead e exercer bem a cidadania.
ResponderExcluirAssim como a Valentina, você usou a metáfora do futebol mas as duas usaram de formas totalmente diferentes e inovadoras! Percebi o rompimento com o lead, uma visão ampla da situação, uma boa descrição que me levou a imaginar as situações e universalidade. Parabéns!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirGostei da analogia, além de salientar as divergências políticas também ressaltou a desigualdade social estampada ainda mais após a reforma dos estádios construídos e reformados para a Copa do Mundo.#NãoAoFutebolModerno
ResponderExcluirQuanto à estrela de sete pontas, você apresentou uma visão ampla da realidade ao retratar a divisão dos espaços no estádio, rompeu com o lead, sem esquecer que exerceu muito bem a cidadania, abordando bem o tema proposto
Um abraço do amigo Régis JR
Achei bem interessante o fato das duas torcidas, que deveriam estar torcendo para o mesmo time (o progresso do país), se encontrava dividida. Você potencializou os recursos do jornalismo, apresentou uma visão ampla da realidade, exerceu cidadania e evitou definidores primários.
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