segunda-feira, 13 de junho de 2016

Sexo(s)


Ela, antes mesmo de saber o que era sexo, sabia que era tabu. Sabia que não podia tocar nesse assunto com ninguém, nem com as amigas, nem com os pais. Ninguém.

Ele, antes mesmo de saber o que era sexo, sabia que era algo desejável. Mais ainda: algo que deveria fazer de tudo para conseguir. 

Ela nunca soube o que era masturbação e, quando finalmente descobriu, sentiu uma culpa imensa. Achava que estava fazendo algo errado, se sentia suja e não confessaria aquilo nem sob tortura.

Ele começou a se masturbar porque ouvia as conversas dos amigos, e sentia-se igual a todos os outros quando fazia isso.

Ela um dia quis fazer sexo, mas não queria ser piranha. Então, não fez.

Ele um dia quis fazer sexo, e queria ser comedor. Então, fez. E procurou mais oportunidades para fazer de novo.

Ela não sabia nada sobre seu próprio corpo e não sabia como sentir prazer. Nunca aprendeu.

Ele entrava nos sites pornôs para aprender o que era sexo, para aprender do que as mulheres gostavam. Nunca aprendeu.

Ela arranjou um namorado. Quando levou ele em casa, o pai a proibia de fechar a porta do quarto.

Ele arranjou uma namorada. Quando levou ela em casa, o pai disse "Usa camisinha, hein, filho. Se quiser, tem na gaveta do banheiro".

Ela, quando contava para as amigas com quantos caras já transou, dizia que eram 4. Na verdade, eram 5.

Ele, quando contava para os amigos com quantas mulheres já transou, dizia que eram 6. Na verdade, eram 5.

Ela, quando sabia que poderia transar, se depilava, colocava uma lingerie. Levava na bolsa um sabonete íntimo, lenços umedecidos e enxaguante bucal.

Ele, quando sabia que poderia transar, levava uma camisinha. Ou não.

Ela segurava a vontade pra não "dar" no primeiro encontro.

Ele demonstrava a vontade e insistia pra "comer" no primeiro encontro.

Ela nasceu mulher, e lidava com consequências.

Ele nasceu homem, e lidava com privilégios.

Lucy In The Sky

4 comentários:

  1. Eu amei o seu texto porque você expôs muito bem como a sociedade trata de forma diferente o tema sexo quando se trata de um homem ou uma mulher. Com isso, a sua crônica rompe com o cotidiano e tem ampla visão da realidade porque essa é uma perspectiva que (infelizmente) poucas pessoas mostram. Acho que também é possível ver exercício da cidadania e solidariedade porque isso é algo da qual as pessoas (e até as próprias mulheres) deveriam ter consciência. Obviamente, ela também rompe com o lead, tem perenidade e evita o senso comum >.<
    Eu achei bem legal a sua tática de fazer paralelos entre a figura "Ele" e "Ela" em cada parágrafo até chegar na conclusão com um jeito impactante, e é interessante ver como a pressão social pode afetar o indivíduo (como no caso deles falarem com quantas pessoas já tinham dormido).

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  2. Texto muitíssimo bem escrito, Lucy. A repetição do contraponto entre 'Ele' e 'Ela' no texto dá um enfoque às diferenças gritantes na educação sexual dos gêneros.
    O tema foi abordado com sucesso, e a obra se posiciona principalmente nas pontas da estrela referentes ao exercício da cidadania e à visão ampla da realidade, posto que mulheres de todo o mundo ainda sofrem devido a tal ideologia machista perpetuada através dos tempos.

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  3. Que texto! Confesso que quando comecei a escrever o meu com a temática 'sexo' me deparei com a dúvida de que viés eu iria estabelecer no meu trabalho - se o sexo como um ato ou como um gênero. Incrível como você conseguiu conciliar ambos os panoramas! Pude observar a ruptura do lead e a apuração jornalística, uma vez que você aponta acontecimentos do universo masculino e feminino. Além disso, conseguiu demostrar um caráter cívico e solidário - em virtude da crítica à solidificação do tabu que mulher não pode pensar em sexo - e obteve, sem dúvidas, uma visão ampla da realidade. Ao meu ver, o texto não pode ser considerado perene pois tenho a esperança que daqui uns anos essa não será a realidade imperante. De acordo com uma análise antropológica, é possível diagnosticar um hábito cultural patriarcal no qual a mulher é subordinada ao homem. Parabéns =)

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  4. Acho que foi meu texto preferido <3 Aquele texto que te atinge e você vai dando risadinhos no meio porque "NOSSA, É EXATAMENTE ISSO", sabe? Acho que não consegui me expressar direito, é porque tô com muito amor por esse texto. Principalmente a parte "levava uma camisinha. Ou não", quantas críticas à sociedade podemos tirar só daí. Enfimmmm... Primeiramente, temos uma questão antropológica como base do texto, o machismo fazendo com que meninos e meninas conheçam a sexualidade de maneiras totalmente distintas. Do ponto de vista da linguagem e da estrutura, adorei a repetição e as antíteses entre o ELE e o ELA. Seu texto é perene, profundo, rompe com o lead, tem uma visão ampla da realidade, potencializa os recursos jornalísticos, exerce cidadania... Acho que alcança todas as estrelas!

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