domingo, 5 de junho de 2016

E o jogo continua


Vamos. O jogo já começou. Essas pessoas não pagaram para ver dois jogadores renomados parados na quadra de saibro. Vamos. Essa bola não vai sozinha para o outro lado. Você tem que agir logo. Vamos. Estão todos à sua espera. Quica uma, duas, três vezes. Olha para o seu adversário: ele está do lado direito. “Devo jogar na direita? Ou tentar um ace pela esquerda?”

Vamos. Decida. O tempo está passando. Direita ou esquerda. Azul ou vermelho. Cachorro ou gato. Matemática ou História. Montéquios ou Capuletos. Biscoito ou bolacha. Vamos. Estados Unidos ou Cuba. Impeachment ou golpe. Nacionalismo ou multiculturalismo. Conservador ou liberal. Meritocracia ou democracia. Legalizar ou não. O que está esperando? 

Vamos. Por que a demora? Ih, sua camisa é vermelha. Petralha, comunista, volta para Cuba! Ah, seu patrocinador é a Coca-Cola. Coxinha, capitalista opressor, vai pra Disney! Vamos. Ataca o cachorro porque ele está com lenço vermelho. Ataca o movimento alheio porque não concorda. Ataca mais ainda porque foi atacado também. Ataca o outro! Vamos! Vamos.

Joga a bola para o alto e bate a raquete nela com força. Em qual direção jogou? Bem, não, importa, parou na rede. Não tem problema, vamos de novo. Só cuidado para não cometer dupla falta. Vamos. Prepare-se. Não hesite. Escolha. Direita ou esquerda. Direita ou esquerda.

Vamos. Você já escolheu. Eu sei que já. Mas por que está hesitando? É, realmente é complicado. Depois que você se posicionar não tem mais volta. Ou você joga para a direita ou para a esquerda. Ou você é oito ou você é oitenta. Ou você vai para o céu ou para o inferno. Ou você defende um movimento sem questionar ou você é contra. Ou você é capitalista ou você é comunista. Vamos. Olha esse Muro de Berlim sendo levantado na sociedade brasileira.

Vamos. Direita ou esquerda. Escolha. Jogue. Não é tão difícil. Quica uma, duas, três vezes. Olha para o seu adversário: ele ainda está do lado direito. Joga a bola para o alto e bate a raquete nela com força. Passou da rede na diagonal e foi para o canto esquerdo. Ace? Não, o adversário correu. Rebateu. Bate, rebate, bate, rebate. Esse jogo de direita e esquerda tem muito bate e rebate.

Enquanto isso, as pessoas estão sentadas na arquibancada virando a cabeça de um lado para o outro. Direita e esquerda. Direita e esquerda. Elas pagaram caro pelo ingresso. E vocês dois, jogadores, ficam nesse eterno bate e rebate. Está quente. O sol da tarde está diretamente sobre a cabeça dos espectadores. Eles assistem aflitos, torcendo por um dos lados. Direita ou esquerda. Às vezes gritam umas palavras de apoio, que logo são caladas para o bate-rebate principal.

Vocês ganham milhões. Eles pagam milhões. E nesse falso jogo de direita e esquerda, quem sai ganhando são vocês. Bate, rebate, bate, rebate. E o jogo continua a entreter o país. Bate, rebate, direita, esquerda. E o jogo continua a dividir o país.

 

Amelie Poulain

12 comentários:

  1. Caramba, que maravilhoso!!!!! Meus parabéns! A continuidade na leitura me manteve num fluxo até o final, que, por sinal, foi muito bem feito. Creio que rompeu com o lead, tem perenidade e apresenta uma ampla visão da realidade.

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  2. Caramba, que maravilhoso!!!!! Meus parabéns! A continuidade na leitura me manteve num fluxo até o final, que, por sinal, foi muito bem feito. Creio que rompeu com o lead, tem perenidade e apresenta uma ampla visão da realidade.

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  3. Parabéns pelo texto, foi um dos que eu mais gostei. Gostei desse estilo. Vejo que você rompeu com o lead, se preocupou com os recursos jornalísticos e, principalmente, o quanto você ultrapassou os limites do cotidiano, e também em uma visão ampla e critica da sociedade.

    VascoPaulo14

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  4. Muito boa a sua metáfora! A narrativa com frases curtas e muitas vezes nominais, ao mesmo tempo que se assemelha a narrativa de um jogo, transmite o clima de tensão e desconforto pela necessidade da escolha de um lado. Percebo perenidade, visão ampla da realidade, espírito cívico, rompimento com os limites do acontecimento, todas ou quase todas as sete pontas da estrela. Parabéns pelo seu trabalho!

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  5. Concordo com o VascoPaulo14 e esse foi um dos textos que eu mais gostei! Achei a metáfora extremamente criativa, gostei das frases curtas e do jogo com as palavras de oposição. Notei rompimento com o lead e com os limites do cotidiano, visão ampla da situação e perenidade. Parabéns!

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  6. Concordo com o VascoPaulo14 e esse foi um dos textos que eu mais gostei! Achei a metáfora extremamente criativa, gostei das frases curtas e do jogo com as palavras de oposição. Notei rompimento com o lead e com os limites do cotidiano, visão ampla da situação e perenidade. Parabéns!

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  7. Concordo com o VascoPaulo14 e esse foi um dos textos que eu mais gostei! Achei a metáfora extremamente criativa, gostei das frases curtas e do jogo com as palavras de oposição. Notei rompimento com o lead e com os limites do cotidiano, visão ampla da situação e perenidade. Parabéns!

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  8. Muuito bom! Bem escrito, claro, dinâmico e crítico! Ao meu ver, superou o cotidiano, teve uma visão ampla da realidade, apresentou o caráter cívico e ocorreu uma observação jornalística. Parabéns <3

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  9. Gostei bastante. Utilizou uma linguagem metafórica e foi bem claro e objetivo. Certa crítica presente no texto, acho que é visível pra todo mundo hoje. Enquanto fica esse bate e rebate entre direita e esquerda, só vai criando barreiras entra a sociedade, ou seja, dividindo o país. Me lembrou um meme que circulou recentemente na internet em que havia a disputa sobre qual caminho seguir: direita ou esquerda, e depois a pergunta: "que tal pra frente?" que eu acho que é o que tá faltando no nosso país. Acredito que toda essa disputa não contribui para o progresso. Quanto às pontas da estrela, foi evidente a quebra do LEAD, rompimento com o limite do cotidiano, exercício de cidadania, além de evitar definidores primários, fontes de sempre. Parabéns.

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  10. QUE texto! Esse é um daqueles que fica até difícil analisar de acordo com os critérios formais, porque é tão bom que te deixa sem palavras. Mas acredito que contempla todas as pontas da estrela. E o aspecto linguístico é o que mais impressiona, pois a estrutura do texto traz um ritmo que dá muita emoção.

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  11. Texto excepcional, Amelie. A intensidade no diálogo contínuo com o leitor, a metáfora criativa e bem estruturada, a crítica à polarização política e ao jogo de 'bate-rebate' político no país foram fenomenais. Ademais, o texto cumpriu com a sua cidadania e rompeu completamente com o lead. Um dos meus favoritos.

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  12. Um dos meus preferidos! Tão bem escrito, impressionante. Acho que quebrou todas as estrelas. Mas o que mais se destacou, para mim, foi a potencialização dos recursos jornalísticos, como ultrapassou o cotidiano com uma visão ampla da realidade e o fato de você evitar os definidores primários.

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