segunda-feira, 13 de junho de 2016

Homofóbico, pero no mucho


Depois de uns meses na escola, já podia dizer que conhecia todo mundo, sabia posição política, religião e diretrizes da maioria, inclusive o Rafael. Sempre com sua camisa polo, cabelo pompadour e óculos escuros da Chili Beans. Lembro-me que conversávamos sobre esportes, quase todos os dias: Brasileirão e NFL, principalmente. Mas como não dá pra se falar o tempo todo sobre futebol, conversávamos sobre temas diversos também: política, mulheres, sexo e outras coisas triviais.

 Nessas conversas que o conheci de verdade, nunca vi alguém tão homofóbico e machista como ele, não podia ver um gay na rua que começava com as piadinhas e xingamentos: “Olha lá o baitolinha! Queima-rosca! Essa Coca é Fanta!”. Ou então quando alguma garota mais protuberante passava por nós, ele começava: “Nossa que mina gostosa. Se eu pego, quebro no meio”. Isso sem contar as opiniões misóginas como a de mulher deve ficar em casa (por incrível que pareça ele tinha namorada), gays não podem ficar em público ou quando falava das feministas como “feminazis”. Até o advertia sobre isso: “Pô, cara, você deveria parar de tratar mulher assim, isso é assédio!”, mas sem muito sucesso. Não importava o que dizia, ele não tava nem aí ou dizia: “É isso mesmo, mulherada gosta que mexam com elas na rua, infla o ego, se liga”. Pois é, me liguei, já estávamos no semestre final do terceiro ano mesmo, vou me afastar desse cara e dessas ideias malucas dele, eu hein?

Acho que mais ou menos um ano depois, acabei encontrando Paula – namorada do Rafael – no meio do shopping. Não tinha intimidade com ela, mas ela veio puxar assunto comigo, queria colocar o papo em dia, saber como estava, essas trivialidades, até que eu perguntei do Rafael, apesar de tudo não guardava ressentimento dele, era uma boa pessoa. Dali em diante ela me abraçou e começou a chorar. Sem entender nada, perguntei o porquê daquilo. Com a voz esganiçada, resumidamente ela me explicou que ele tinha a traído (novidade né?), mas para surpresa geral da nação não tinha sido com uma mulher e sim com um homem. “Mas logo ele, com aquela pose de ‘machão’ lhe traiu com um homem? Qual a razão disso?” – perguntei. “Vou te contar tudo, senta aí”- respondeu.

Resumindo a história, Rafael descobriu depois de uma noite de sexo com sua namorada o prazer anal. Sim, após tamanha insistência de sua namorada para colocar alguns dedos no seu ânus (melhor dizer cu, né?), ele aceitou e dali não parou mais. E então pensou: Por que não deveria ao invés de apenas dedos sair com alguém que pusesse algo maior? Dali conheceu Alexandre, o Frota. E nessa quem perdeu foi Paula. Coitada.

 Como diria minha saudosa vovó e como o próprio Rafael ousou dizer uma vez: Essa Coca era realmente Fanta.

 

Régis Jr.


4 comentários:

  1. Esse texto é praticamente um exemplo de toda a discussão que tivemos sobre os aspectos psicológicos de Freud. O desejo reprimido de Rafael se transforma em um recalque, e ele reverte isso em homofobia para compensar.

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  2. Concordo com Lucy. Vimos isso nitidamente na aula que comentamos sobre Freud. Rafael tentava destruir a parte que não aceitava em si, através da homofobia. Acho que seu texto tem uma abordagem antropológica e psicológica bem clara. O preconceito em geral, como ele afeta a sociedade e de onde ele vem. O texto é íntimo e tem uma linguagem extremamente informal. Acho que exerceu a cidadania, ultrapassou os limites do cotidiano, teve uma visão ampla da realidade e rompeu com o lead.

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  3. O texto permite uma visão antropológica ao tratar tanto da questão do machismo quanto da homofobia que são problemas presentes na nossa sociedade. Sobre os aspectos psicológicos, o "recalque" de Rafael é evidente, na medida em que o personagem manifesta-se de forma preconceituosa contra os homossexuais como forma de mascarar sua verdadeira sexualidade que havia sido reprimida. Ainda com esse objetivo, possui um comportamento machista, desmerecendo e assediando a mulher na tentativa fracassada de afirmar uma certa masculinidade. Com relação à Estrala de Sete Pontas, percebo uma visão ampla da realidade, rompimento com o lead, a observação (aprimorando as técnicas jornalísticas) e espírito cívico. O texto destaca muitas técnicas, parabéns!

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  4. Seu texto é muito bom! Sem querer ser repetitivo mas já sendo, ele traduz todo o pensamento de Freud sobre o recalque gerado por um desejo reprimido. A informalidade do texto gera uma aproximação com o leitor e "Dali conheceu Alexandre, o Frota" acredito ter sido um recurso de intimidade também. Achei muito interessante sua visão ampla da sociedade e exercício da cidadania ao abordar a questão do machismo, misoginia e homofobia - de uma forma leve. Parabéns!

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