segunda-feira, 27 de junho de 2016

Eu não sei


Eu só via vermelho, tudo em volta de mim era do vermelho mais vivo que eu já tinha visto. Minhas roupas estavam encharcadas, meu corpo doía mas o meu agressor não parecia mudar de ideia sobre o que pretendia com tudo aquilo. Meu coração pulsava e adrenalina ia e vinha dentro de mim, no entanto eu não aguentava mais tentar lutar contra ele, seria em vão de qualquer forma, ele estava determinado. Meu supercilio jorrava sangue e gritava de dor, meu estômago fora reduzido a migalhas dentro de mim, meus dedos do pé foram praticamente dilacerados, minha boca não se configurava mais como tal. E mesmo assim ele não desistia de mim. Insistia em me machucar mais, em me destruir um pouco mais. Eu não tinha certeza do porque de ainda estar viva, de ainda tentar lutar, mesmo que psicologicamente, com aquele que me maltratava, com aquele que me matava. Porém, eu não parecia estar indo a lugar algum, além da jazida onde ficaria para sempre. A vontade nos olhos dele brilhavam como fogo e ele nem ao menos arfava de cansaço. Não sei dizer até quando posso aguentar ser espancada desse jeito. Não sei dizer até que ponto posso aguentar para tentar salvar o pouco de dignidade que ainda resta em mim. A que ponto chegamos? Aonde vamos parar? Isso não podia mais continuar. Tentei gritar mais uma vez, mas foi em vão, minhas cordas vocais perderam a força. Tentei levantar, mas foi em vão, meus músculos não respondiam mais. Tentei abrir os olhos, mas foi em vão, tudo que eu via era vermelho. Tentei respirar, mas foi em vão, meus pulmões estavam começando a desistir de mim. Porque continuar tentando então? Porque eu simplesmente não desisti? Não sei dizer, mas eu continuei tentando. E a cada vez que eu tentava, meu agressor me olhava com mais raiva e mesmo assim eu tentava. Ele não desistia de mim, mas eu também não iria, não tão fácil assim. Apesar da dor, e das incessantes tentativas dele de me machucar mais, eu iria até o meu limite. Só não sei dizer a razão, mas tentar parecia ser o mínimo que eu poderia fazer. Esse não podia ser o fim, esse não podia ser o final da história. Como poderia? Ferida, caída, assassinada, estuprada, não podia ser assim. Mas era assim que eu me sentia ao acordar e ser alvejada por todas aquelas notícias sobre guerras, atentados, tiroteios, intolerâncias de todos os tipos, mortes antecipadas, crianças feridas, mulheres estupradas. Não vivemos um dia sem que algo do gênero não aconteça, sem que por um dia apenas possamos não espalhar a tristeza causada por outro igual a nós. Até que ponto chegaremos sem que tanta falta de compaixão não seja mesmo fatal para toda humanidade? Não sei dizer até quando posso aguentar ser espancada por um mundo desses. 

Melissa C.

Um comentário:

  1. A descrição da dor da personagem foi muito bem feita, me senti até um pouco tensa lendo. Acredito que esse sentimento de impotência e dúvida do porquê isso estar acontecendo representou bem o que as pessoas que eram conta a saída da Dilma sentiram. Entretanto, penso que seu texto não se focou no impeachment, mas sim, foi uma visão mais ampla.Você potencializou os recursos jornalísticos, deu uma visão ampla da realidade, rompeu com o LEAD e exerceu cidadania.

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