Querido familiar, tio, amigo, parente, parceiro, maconheiro. Meu ente querido, que burrice. Como te atreves a propagar o ódio. Logo tu, homem tão estudado. Como votas naquele que sequer é falado? Não escrevo essa carta como protesto, reivindicação jovial ou tentativa de convencimento. Escrevo porque é das poucas coisas que bem sei fazer. Não vou às ruas gritar “ele não”, mas meu peito vibra em desprazer e angústia quando dizes que sim. É tão boa nossa rotina. São tão boas nossas manhãs de esporte seguidas de um ‘baseadinho’ em tua Mercedes prateada. E por isso ris e aceleras e fazes girar e roncar e gritar o motor de tua máquina, de tua nave. Ela mesma. É isso. É ela quem te tira da realidade. Tua nave cor prata, custeada em alguns milhares de reais que para ti sequer têm valor, pois tens tantos. Tua bolha social que talvez represente menos de 1% dos brasileiros. Não é real tua realidade, nem a minha. Mas real mesmo só a reflexão, a empatia, o transbordar de um amor que transcenda opções sexuais. Só isso nos faz reais. Só o amor transforma, reforma e deforma também (mas já estamos tão deformados não é mesmo? Tão loucos, surtados, desvalorizados). O ódio, por sua vez, única e exclusivamente deforma. És destro. E sou também, mas restrinjo-me às quadras. És destro. E já nem sei mais o que sou. Já nem mais sei se sou. Ainda sei ser seu amigo, sim. Por enquanto sei ser seu amigo. Sei fechar os ouvidos. Sei ser surdo, mudo, súbito. Ao teu lado sei e devo ser, mas temo o dia em que não mais poderei ser seu amigo. E como temo. Temo o dia em que sequer poderei ser, mas segues a não fazer ideia. Tão estudado, mas tão burro. Tão encurralado na bolha. Nas notas. Nas folhas. É tão boa nossa rotina. São tão boas nossas manhãs de esporte seguidas de um baseadinho. É tão cômico como cumprimentas e saúdas os militares: chapado, de óculos escuros e janelas abertas para que se esvaia o cheiro do baseado. És tão cômico. É tão cômico não veres que daqui há 2 anos podem estar por vasculhar, a qualquer momento, teu carro, em busca do teu tão querido baseadinho. É tudo tão cômico. Seria tudo tão cômico se à beira da comicidade não estivesse debruçado um abismo de 4 anos consecutivos pelos quais respirarei por aparelhos. Seria tudo tão cômico se minha juventude não se resumisse a 2 números e um bucado de ignorância.
Com um cômico e despojado desprazer,
Zé Zepelim