domingo, 30 de setembro de 2018

Carta Para um Eleitor do Coiso

Querido Flávio, meu amigo de infância,
Eu concordo com você. Presenciamos cotidianamente muito mais violência do
que os nossos ombros são capazes de suportar. Por vezes, pareço viver conduzido por
um medo perturbador de incrementar alguma das horrorosas estatísticas que nosso país
apresenta no que se refere à segurança pública. Ou de ver algum dos nossos nelas.
Contra isso, sinto a mesma indignação que você sente.

É ainda mais revoltante quando observamos que aqueles que deveriam resolver
esses problemas aparecem na televisão ou, por que não?, no whatsapp, nas mais
indecentes notícias. Os caras são terríveis mesmo: roubam a porra toda, prometem e não
cumprem, mentem, esculacham. E ninguém aqui é otário para achar isso normal.

Desse modo, você, meu amigo, que nunca ligou muito para política, é bem vindo
em seu desejo recente de participar dela, por acertadamente entender que é nessa esfera
que se resolvem muitas das coisas que nos afligem. Mas chega devagar, com calma.
Com muita calma e atenção, porque somos brasileiros e, você bem sabe, não é nada
fácil entender como funciona esse país, tampouco apontar soluções. As saídas mais
fáceis, em geral, são também as mais brutas e, assim, tendem a nos levar ao erro.

Veja, por exemplo, o caso das armas. Ora, se há bandidos armadíssimos
cometendo as mais absurdas atrocidades e a polícia não consegue resolver, podemos
armar a população para, assim, enfrentá-los, não? Não, não mesmo. Não observamos
qualquer estudo sério que comprove a eficácia da proliferação de armas junto à
população no combate à criminalidade. Além disso, é muito mais fácil imaginarmos os
horrores que poderiam advir da presença de armas em brigas de trânsito, de família, de
vizinhos, de bares ou de escola do que imaginarmos o cidadão médio em uma
performance heroica reagindo a um assalto e, assim, alvejando um bandido – que muito
provavelmente, é bom dizer, faria sua ação com ainda mais sangue nos olhos ao saber
que a possibilidade de sua vítima estar armada é alta. Consegue imaginar, aliás, o que
poderia nos acontecer naquela noite em São Cristóvão, em que nos envolvemos em uma
briga, uma confusão muito tensa com desconhecidos, se houvesse alguém armado?

Talvez, então, seria melhor enfatizarmos o papel repressor da polícia, que tal?
Os PMs com carta branca para meter bala nos vagabundos todos, não seria uma
alternativa para acabarmos com aqueles que acabam conosco? Sinto muito, mas também
não. Já estamos há tempos investindo em uma polícia violenta e isso não nos trouxe paz.
A saída não pode ser aprofundar a ação repressora que realmente atinge a bandidos, mas
também cidadãos comuns (especialmente moradores de locais mais pobres) e até
mesmo os próprios policiais. Consegue imaginar, aliás, o que poderia nos acontecer

naquela blitz violentíssima em que passamos, na Penha, com canos e mais canos
apontados para nossas cabeças e ameaças de morte por parte dos PMs, se eles, pilhados
como estavam, estivessem ainda mais seguros de que poderiam matar sem maiores
consequências?

Mas então, qual seria a saída? Ainda não sei exatamente, devo admitir. Lamento,
mas ainda estou a buscando e o convido para que possamos discuti-la com
profundidade. Contudo, já tenho algumas conclusões muito claras e sólidas: não será
com base no ódio, na truculência, no despreparo, no desrespeito, nem no simplismo que
sairemos do buraco em que nos metemos.

Infelizmente, a resposta que você tem buscado para os nossos problemas não
caminha para resolvê-los, mas para agravá-los. O seu movimento, reconheço, é uma
onda que muitos dos nossos têm se dedicado a pegar. Mas, às vezes, é melhor fazer o
oposto, ir contra a maré quando se percebe que ela não vai dar em nada bom.

Saúdo, novamente, o seu despertar político, mas, com toda humildade, sugiro
que reflita para que este seja, de fato, um despertar. E saúdo a nossa amizade.

Jamir Ávila

Um comentário:

  1. O texto é longo, mas não fica cansativo. É um dos que melhor estabelece um diálogo sem recorrer ao "lacre", cumprindo o que foi proposto. Alguns problemas com o espaçamento do texto, porém de menor relevância.
    Muito bom.

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