sábado, 1 de setembro de 2018

Crescimentos

O zumbido constante desse bicho desconhecido, bem no meu ouvido, me faz questionar essas empresas caríssimas de dedetização. Não consigo sequer me concentrar na crônica do dia. O deadline me cobra pressa e esse zumbido atravessa todo o meu repertório gramatical. E literário. Pra quê paguei tão caro para limpar esse apartamento? Parece que vivo numa floresta, um homem não consegue trabalhar assim. Me lembra daquela casa em Teresópolis que meu pai costumava me levar quando criança. Ou aquele sítio depois de Parati. Ou qualquer lugar em que ele estivesse, traz essa lembrança, esse gosto, esse som. O zumbido constante desse bicho desconhecido, bem no meu ouvido, talvez venha de dentro. E me faz questionar onde aquele homem e aquele menino (que eu era) estão. Quero ligar para o pai e perguntar da onde vem meu medo de inseto e escutar alguma história atrapalhada e em muitas partes inventada, que me traga aquela paz infantil. Entender o porquê não consigo escrever e porque é tão difícil saber de tudo. Abro o jornal todos os dias e vejo estupros, mortes, assaltos e tudo, tudo isso faz e não faz parte da minha história. O zumbido constante desse bicho desconhecido, bem no meu ouvido, são meus traumas me lembrando de que seguir crescendo é preciso.

Ricardo Reis

4 comentários:

  1. achei muito maneira a metáfora do bicho desconhecido, que pelo que entendi, pode ser uma junção de traumas que constroem um ser humano fragilizado não por um trauma específico, mas pelo conjunto da obra. a única coisa que senti falta (e um pouco nos outros textos também, incluindo os meus) é de um espaço maior pra desenvolvimento do personagem. parece que daria em muito mais coisa, essa personalidade que tu criou, mas acaba de repente. talvez a gente é que tem que ser criativo pra deixar tudo redondinho em 20 linhas rs

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  2. Ricardo, eu senti. Porra, eu juro que fiquei sem ar lendo esse texto e eu não posso julgar a falta que a história me deu porque talvez tenha sido proposital e, confesso, me satisfez. Se entendi o que é uma crônica, você me deixou, como leitor, na subjetividade perfeita.

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  3. Eu gostei muito da crônica em tom de confissão pessoal, de autoanálise. Me surpreendeu. Escrita direta, de fácil entendimento e que mesmo assim expõe a intelectualidade no uso das comparações e na ideia de pegar o que provavelmente estava acontecendo no momento da escrita e passar para o texto. Sem dúvida um dos textos que eu mais gostei.

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  4. Gostei muito do tom que deu para a sua crônica, uma das que eu mais gostei com certeza.

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