sábado, 29 de setembro de 2018

Carta para um eleitor do Coiso

Querida,
Você está no chuveiro enquanto ensaio essas palavras. Desejo que elas – antes de lhe
atingir – moldem a mim. Busco a sinceridade de tempos mais simples nos quais casa era
o esconderijo do mundo não do eu. E para ser honesta preciso que isso seja mais do que
uma carta. Faço aqui meu pedido de desculpas.
Desculpe-me por todas as vezes que ouvi não querendo escutar, mas, sim, responder.
Inclusive hoje no jantar. E por quando pensei em francês e falei em russo. Você sabe a
luta está em meu nome, você escolheu. E mesmo assim vive me dizendo que não posso
abraçar o mundo todo. Sei que é verdade, mas meu ascendente é em touro como teu sol.
Perdão pelo excesso. Desculpa por quando a preocupação em se provar certa foi mais
importante do que a própria certeza. Por quando bati a porta do quarto e gritei, calando
o amor. Perdão pelos momentos de silêncio, pois também são de violência. A calmaria é
ensurdecedora.
Lembra quando eu era pequena e ao levar uma bronca chorava até soluçar? Só sei
resolver as coisas na hora, não sei deixar nada para depois. O amanhã é tão incerto. Nós
sabemos que, ultimamente, isso mudou. As palavras embolam a cada tentativa de
reconciliação. Aumenta-se a crise. Você diz não enxergar tudo isso. Eu já não consigo
ver como só isso. Você diz ter medo. Eu também tenho. Ação e reação. Terceira Lei de
Newton, não esqueci. A aula particular ajudou como você disse que faria, mas não
resolveu o problema. Como atuam em corpos diferentes, não se anulam. E por isso
sentimos sozinhas. Desculpa pela solidão coletiva.
Devo admitir, sendo honesta, gostaria muito que, ao ler essas palavras, me desse razão.
Se possível um pouco mais, me desse sentimento. Desculpa por, mesmo pedindo
perdão, não abandonar o gênio. É tão engraçado teus olhos me vêm vermelha como
curumim, mas só vejo você no reflexo. Imagem e semelhança. Você que me ensinou do
amor. Da fé. Do respeito. Da paciência. Do sonho. Da liberdade. Você que me ensinou
do perdão. Desculpe-me por não te perdoar. Não por isso. Não por ele. Espero que você
possa.
Não sou mais sua garotinha, mas ainda tenho os mesmos soluços. Agora, sei que você
também os tem. Você acabou de abrir a porta para desejar boa noite. Boa noite, mãe.
Espero que o sol volte pela manhã. Desculpe-me se demorar mais um pouco.

Brás Cubas 171

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