sábado, 29 de setembro de 2018

Carta para um eleitor do coiso

Querido Pai,
Antes de qualquer coisa, gostaria de relembrar o momento, no qual, eu soube que tinha
conseguido, depois de tanto esforço, passar pra uma universidade federal. Lembra? Não
fui eu que contei pra você, foi o contrário. Eu estava no meu quarto, assistindo TV,
quando recebi sua ligação. Aquela ligação que, arrisco dizer, foi uma das mais felizes
que você realizou e uma das mais felizes que eu recebi. Aquela ligação que produziu
lágrimas com um mix de felicidade e orgulho.
O valor das coisas está na intensidade com que acontecem. Por isso, aquela ligação foi
um momento inesquecível da minha vida. O êxtase dentro de mim era imenso, não
apenas por mim, mas por você. A pessoa que mesmo desejando que eu seguisse os
passos da família no mundo jurídico, me apoiou, plenamente, na decisão de trilhar o
campo jornalístico. Pois é. A vaga era pra você, pra você sorrir, pra você chorar.
No instante em que redijo esse texto, são 01:32 da madrugada do dia 26 de setembro de
2018. Poderia estar dormindo, mas precisamos falar da sua persistência pelo caminho
do ódio.
Se eu quero te convencer a não optar por essa direção? Admito que sim. Por mais que
você diga que está convicto, sinto que, lá no fundo, você conhece a figura política que
domina as manchetes dos grandes meios de comunicação destilando discursos violentos
e contraditórios.
Não vou ficar batendo na mesma tecla de tiro, porrada e bomba, kit gay,
fraquejada...Apesar do mundo só poder ter algum indício de melhora com a fé entre os
povos, você tentaria refutar tudo isso que seria posto. Citei a sua esfera profissional,
vamos falar dela.
Talvez você não saiba, mas a OAB chegou a anunciar um pedido de cassação do
mandato dessa pessoa, tempos atrás. Motivo? Declarações incompatíveis com as
tradições parlamentares brasileiras. Percebe? Não fui eu, não foi a ‘’mídia
manipuladora’’ e nem um ‘’esquerdopata petista’’ que falou isso. Foi parente seu.
Um parágrafo pra falar da sua filha. Minha irmã. Ao contrário de mim, ela decidiu atuar
perto de você. Formou-se em Direito na UFF. A mesma UFF que gerou aquela
felicidade entre nós. A mesma UFF que gerou esse mesmo tipo de felicidade entre você
e ela. Em um país tradicionalmente machista como o nosso, imagine como será a
situação dela, se a estimulação do rancor for triunfante.
São 02:46 da madrugada. Raciocinemos. Vou me colocar no seu lugar. Observo
soluções simples para problemas de grande complexidade em uma situação crítica. Bala

nos desgostosos, autoridade contra os corruptos (mesmo que...hum...esquece.) e ‘’livre
mercado’’ contra a pobreza. Parece ser um discurso sedutor. Mas é enganoso.
Lembre-se, meu velho, estamos falando de uma chapa retrógrada. Um grupo que diz
que a fase militar foi a ‘’salvação do país’’, ao contrário do que os estudiosos afirmam.
Habeas corpus não existia e jornalista era perseguido aos montes. Imagina isso
voltando? A gente seríamos inútil.
Agora, se coloque no meu lugar. Penso que desde que a democracia venceu o regime
militar, na década de 80, não podemos negar que conseguimos avanços no Brasil.
Educação, promoção do ambientalismo, manifestações sociais, saúde. Saúde... Pense no
SUS. Uma criação da democracia. Uma criação que salva muitas pessoas. Uma criação
que, inclusive, salva indivíduos de certas facadas.
Educação. É comum perder o bom por querer o melhor. Mesmo que esse ‘’melhor’’ seja
bem duvidoso. Em um suposto mundo dominado por esse pensamento do ódio que você
segue, tenho medo do futuro das universidades federais. Mas tenho ainda mais medo de
que toda a felicidade que descrevi antes, a felicidade conjunta de pai e filho, seja em
vão.
São 03:09 da manhã, encerro essa carta com uma certeza. Se ao menos eu consegui
produzir um sentimento que tenha tocado o seu coração, já terá valido a pena. Eu
acredito que isso é possível.
Há tempo. Tempo de mudar. Afinal, meu pai, cada segundo é tempo para mudar tudo
para sempre.

Peter Luís

6 comentários:

  1. Gostei muito do teu texto, Peter! Gostei da forma em como colocou as palavras, em como as direcionou para a pessoa que escreveu usando fatos próximos a vocês e tudo mais. Gostei do destaque dos horários, achei muito bom esse pequeno detalhe. Acho que tu errou apenas em colocar: "A gente seríamos inútil.", não seria melhor: "Nós seríamos inúteis"? ou "A gente seria inútil". Recomendo que faça a leitura em voz alta, como o próprio professor disse uma vez, porque faz toda a diferença. Exceto por isso, a tua carta foi ótima.

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  2. Gostei muito. O texto é fluido, acho interessante a marcação do tempo e faz o diálogo muito bem. A questão do "a gente seríamos" quando li tive a impressão de que talvez fosse proposital por ser algo da fala cotidiana, ficaria melhor se o texto fosse mais informal. De qualquer maneira a silepse está aí para isso.
    Continua sendo um bom texto.

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  3. Muito bom o texto, fiquei envolvido com a história. Mas estou com o amigo Brás acho q esse trecho seria melhor em um texto mais informal.

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  4. Acho que a galera não pegou a referência do "a gente seriamos inútil" rsrrsrs. Muito bem sacado. Acho que é um texto de escolhas muito felizes, como a maneira que você o comecou, remetendo a um momento de orgulho pra você e ele.

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    1. aaaaaa pelo menos uma pessoa pegou a referência hahahahah valeu Alcione

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