sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O Sonho Maldito

Lá estava Roberto novamente imerso naquele sonho, naquele maldito sonho. O pesadelo se
confundia com a própria realidade, os detalhes, as sensações, as emoções eram tão reais que
nem mesmo o popular “beliscão” tinha a capacidade de acordá-lo. Não era primeira a vez que o
rapaz se encontrava naquela situação, nem seria a última (o seu íntimo lhe dizia isso). O mesmo
cemitério, as mesmas pessoas que, estranhamente tinham seus rostos ocultados, o mesmo
velório e o mesmo sentimento: a profunda tristeza de estar perdendo um ente querido. O jovem,
na flor de seus 21 anos, não sabia, todavia, quem exatamente estava sendo sepultado, mas o
baque em seu âmago evidenciava ser alguém de extrema importância afetiva. Tomado pela
profunda melancolia, arriscava o primeiro passo, porém não saía do lugar, uma avassaladora e
invisível redoma bloqueava sua passagem. O desespero tomava conta de seu coração, a
necessidade de aproximação àquela aglomeração berrava dentro de seu peito. O homem gritava,
suplicava para ir de encontro ao caixão, contudo nada acontecia, era como se ele não existisse.
Já não conseguia esconder as lágrimas em seus olhos, parecia que a vida, análoga a uma
entidade divina, havia resolvido puni-lo de alguma forma.
“Triiiimmm, triiiimmm”, o irritante barulho de seu alarme forçava-o a acordar para o trabalho.
As 9 horas de sono pareciam minutos. Estava exausto, desgastado. Dessa vez, Roberto sentia
que o sonho estava mais forte do que nunca. Qual seria a solução? Procurar um psiquiatra? Mais
um? Não, já estava cansado dos remédios controlados que somente deixavam-no dopado. Então,
como resolveria tal problema? As dúvidas surgiam gradativamente em sua cabeça, mal
conseguia trabalhar. Algo precisava ser feito.
O relógio da empresa marcava 12:30 quando fora almoçar. Como de costume, comia na mesma
humilde pensão de sempre, desacompanhado. Era o momento de pagar a conta quando seu
telefone tocou, a ligação do hospital informava o desejo de seu pai internado em vê-lo. Fazia 5
anos que não via mesmo. Infelizmente, o alcoolismo tomara conta de seu velho cedo demais, o
homem doce se tornara violento e saíra de casa, provocando um profundo ressentimento no
filho. Um turbilhão de sentimentos passava pela mente e coração de Roberto. Pensava na vida
que havia levado, na relação com a figura paterna e, especialmente, na fantasia perturbadora que
dominava-o sempre que encostava a cabeça no travesseiro. E agora, o que faria? Ignoraria a
distância de meia década que separava os dois, como se nada houvesse ocorrido? Enquanto o
mancebo se questionava, a funcionária que efetuara a chamada alertava a urgência do pedido,
devido ao delicado estado de saúde do moribundo. O rapaz agendara a visita para o dia seguinte,
pois não tinha a coragem de procurá-lo na mesma data.
Triste e reflexivo, o menino retornava ao lar. Passara o resto daquele dia tomado pela sufocante
angústia, aparentemente cessada quando o rapaz caíra no sono à noite. O sonho estava de volta,

sim aquele mesmo terrível pesadelo atormentava-o novamente. Uma mudança de padrão,
entretanto, ocorrera. A redoma não existia mais. Roberto, agora, conseguia se aproximar da
sepultura. As faces ocultas eram reveladas, todos seus familiares estavam presentes no evento.
No caixão, o corpo de seu doente pai, fisicamente abarcado pela enfermidade que lhe tomara a
existência. O jovem, desolado e incrédulo, acordara de súbito durante a madrugada, envolvido
pela tremedeira e gotas de um suor gelado que escorriam por sua testa. Na escrivaninha ao lado,
o celular tocava, era da casa de saúde. Ele tinha plena certeza da notícia que viria, porém um fio
de esperança motivava-o a torcer para estar enganado. Não estava, neste instante era tarde, seu
pai estava morto, só que era de verdade.

Rômulo Zaragoza

Um comentário:

  1. Gostei muito da retomada, o texto ficou cíclico, parecem-me dois sonhos complementares em noites consecutivas, ficou muito boa a ideia. É um texto bem triste mas como uma boa moral que se sobrepõe à angústia. Teve uma construção que achei esquisita que foi "Como de costume, comia na mesma
    humilde pensão de sempre, desacompanhado". O "como de costume", "na mesma" e "de sempre" meio que dão a mesma ideia. Tirando isso ta muito bem escrito, algumas palavras mais rebuscadas mas que não atrapalham o entendimento do texto!

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