feira úmida e insossa, e que talvez te leve a alguma reflexão.
Havia acabado de acordar. Minha vó pede que eu a leve no ponto do 53, chegara
novamente a hora de se despedir. Meu peito está apertado, sou péssimo com despedidas.
Eu a deixo no ponto, beijo sua testa e a assisto subir lentamente no ônibus. Ela agarra
com força o corrimão e impulsiona-se, com dificuldade, para dentro do veículo. Suas
tamancas estão sujas, marcadas pelas histórias que a acompanharam até ali. Do jeito que
o país anda, será que algum dia, terei também eu, tantas histórias pra contar, eu me
pergunto em silêncio, enquanto me levanto e vou embora.
No caminho de casa, ouço duas vozes agudas gritando:
-Perdeu rapa, é um assalto!
-Bota as mãos atrás da cabeça, se tu tentar alguma coisa vamo te meter bala!
-Balalau, balalau, balalalalau!
São apenas duas crianças, brincando de policia e ladrão. Me surpreende a noção de
ritmo que o som dos tiros havia proporcionado a elas, tão jovens. Chego mais perto e
percebo que conhecia aquela criança. Era filha de um amigo meu. O seu pai, Chuck, e
eu, costumávamos brincar disso quando tínhamos essa idade. Alguns anos depois, a
brincadeira inocente se tornara realidade, Chuck, que havia sido expulso da escola e
precisava de dinheiro pra sustentar o filho que estaria por vir, entrara para o tráfico. Aos
18 anos, ele é baleado e morre, em uma operação da PM. Ainda me lembro de quando
recebi a notícia. Era um dia cinzento como este. Eu havia acabado de sair da aula e
como sempre, fui para praça, encontrar os Zé droguinhas, como dizia minha mãe. Foi
quando chegou Pet e de cara fechada me deu a notícia. Passamos horas lá relembrando
histórias, soprando fumaça, rindo e repetindo em nossas as cabeças a frase que Kid, o
dono do morro em que morávamos e padrinho de Pet e Chuck, nos ensinara quando
crianças:
-Engole o choro moleque, homem de verdade não chora.
Naquele mesmo dia ao chegar em casa me tranco no banheiro e passo horas chorando.
Após relembrar esse fato, vou em direção ao filho de Chuck, acaricio os seus cabelos
dourados em forma de cuia, como eram os de Chuck, olho dentro de seus olhos e sem
dizer nenhuma palavra vou embora.
Tendo lhe contado essa história meu amigo, agora eu pergunto a ti, é realmente esse
país que você quer pro seus filhos? Um país onde o filho de Chuck vai ter o mesmo fim
que seu pai? Um país, onde LGBT's, mulheres, negros e pobres, morrem todos os dias
vítima do ódio que seu candidato, supostamente cristão, prega? Um país onde o pobre
sem esperança de ascensão social morre só por ser pobre? Onde o medo se torna ódio e
silencia as dores daqueles que chamávamos de irmãos? Um país, onde homem de
verdade não chora? Tendo me prolongado mais do que deveria, te peço,
encarecidamente, que repense seu voto, irmão. Falta pouco mais de uma semana para as
eleições, mas ainda há tempo. Por favor, Ele Não!
Com carinho, Eric Cleptomaníaco.
Eric Cleptomaníaco.
Eric, gostei muito da forma que você apresentou um exemplo forte pra a partir daí tentar explicar. (pois fiz igual rsrs)
ResponderExcluirAcho que esse é o segredo pra conseguirmos atingir alguém, primeiro situamos a pessoa em um local em que lhe é possível ver a problemática pra depois começar o debate. Gostei!
Gostei do texto, o início ficou bem descrito, a despedida da sua vó e a subida no ônibus são cenas bem marcantes e que transmitem a emoção do texto. A brincadeira das crianças foi uma ótima ideia, quebrou completamente a expectativa de um texto talvez óbvio que seria falar de um assalto. Ficou forte também, bem tocante. Acho que atingiu o objetivo de convencer alguém a não votar no coiso de forma sutil, parabéns!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirUm dos melhores textos da semana. A narrativa é envolvente, realiza bem a quebra de expectativa e consegue sair do lugar comum na maior parte do texto. Muito bom.
ResponderExcluirÓtima a descrição da vó, excelente a passagem das crianças, que oscilam o ritmo e destino do texto muito bem. Gosto das últimas frases, mas antes delas, a partir do momento que começa a se dirigir pro destinatário, acho que podia ter sido atenuado. Parece que o texto vira outro de súbito. Talvez essa transição poderia ter sido mais amena. Gosto muito da parte "história" do texto e sinto que a parte "carta" diminui um pouco seu impacto. De toda forma, tem muito mérito
ResponderExcluirÓtima descrição dos acontecimentos, conseguiu transmitir verdade para o leitor, escreveu com o coração. Conseguiu linkar muito bem com a situação política, extremamente envolvente a narrativa. Parabéns, excelente texto.
ResponderExcluiressa crônica na minha mente virou um filme! ótima narrativa e descrição dos fatos. parabéns, eric!!
ResponderExcluirVocê criou uma narrativa muito boa. Conseguiu mostrar como a vida pode ser cíclica, como o presente pode repetir o passado. Adorei.
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