sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Dormindo com fantasmas

Se relacionar romanticamente com alguém é como um acordo que duas pessoas fazem no qual
naquele momento específico em que estão juntas, a vida de uma está intimamente ligada com a da
outra. Mas esses contratos normalmente tem prazo de validade. A vida passa na sua cara e deforma
sua personalidade o tempo todo, fazendo com que relacionamentos acabem e caminhos se cruzem e
descruzem. E mesmo que toda essa mudança não separe esses espíritos, eventualmente a morte fará
esse trabalho. Mas é, acho que de vez em quando ela pode trabalhar de forma desleixada.
Conheci uma garota chamada Vivian faz uns 6 ou 7 meses na faculdade, e desde que fomos
obrigados a conviver com a presença um do outro em sala diariamente a atração entre nós
aumentava exponencialmente. Fosse um olhar cruzado ou uma discussão em grupo sobre trabalhos
em que consequentemente nós tínhamos que interagir, as circunstâncias e seu cabelo cacheado,
curto e levemente loiro que gritava pela minha atenção o tempo todo acabou nos juntando. E se ali
foi feito um contrato e essa ligação realmente aconteceu, assim como todas as aventuras de início de
faculdade, o tesão pela descoberta de novos mundos acabou se dissipando por causa da fadiga que a
rotina de estudos proporciona, e então nossos caminhos acabaram se descruzando.
Só que mesmo que você se separe de uma pessoa, sempre há resquícios dela em você. E faz 1
semana que ela não vem pra aula, e não tem como não notar exatamente pelos resquícios que eu
disse. Talvez tenha desistido do curso? Sei lá né, essa galera muda direto de faculdade, tá todo
mundo indeciso nessa época.
Mas não era o caso. Depois dessa semana, recebei a notícia que ela tinha falecido em um acidente
de carro. E parece que a tal parte dela que tinha em mim começou a se retorcer lá dentro, tirando
completamente minha paz em qualquer ambiente que nós dois frequentávamos. Decidi abandonar
aquela universidade e tentar outra pois a vivência ali tinha se tornado insuportável, e quando fui na
coordenação do curso cancelar a matrícula ela veio me perguntar se eu já tinha feito minha parte no
trabalho final de Realidade Socioeconômica e Política Brasileira pois ela queria adiantar a dela.
“Que porra é essa?”, você deve estar se perguntando. A garota não morreu?
E pior é que ela tava na minha frente, mas só eu a via. Tinha uma galera da sala passando,
mandaram um “coé” e foram embora como se não tivesse uma morta-viva junto comigo. Foi aí que
me toquei que não era exatamente ela ali. Na minha cabeça era como se o espírito dela tivesse
voltado pra cobrar minha parte do contrato, como se eu não tivesse seguido todas as cláusulas e a
nossa desconexão fosse a culpa da morte dela.
Então comecei a tremer de forma descontrolada e me desculpar incessantemente por não ter feito as
coisas como deveria, e que me arrependia de não ter aproveitado a presença dela enquanto podia. E
aí ela disse que tá tudo bem, mas era melhor eu acordar pois a parte dos slides da aula tinha acabado
e agora o professor tá falando do próximo trabalho.
Acordei, e ela me perguntou se tava certo que eu era a dupla dela. E acho que não tinha como não
ser.

Julian Castella

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