O Anúncio
Nelson
e Nestor olhavam o tumulto, intrigados.
- Coisa
estranha, né?! - comentou o primeiro.
- Né! –
concordou o segundo em tom de questionamento.
- Já
faz um tempo que tá desse jeito aí, um monte de humanos. – Continuou Nelson,
mexendo a cabeça de um lado para o outro.
- Tá
vendo alguma migalha no chão? Eu tô com fome. – disse Nestor.
- Num
dá nem pra ver o chão, ainda mais se tem migalha.
-
Aquela menina ali tá comendo pipoca. Lá no colo da moça, aquela com uma luz na
mão. Ah, pipoca! Adoro pipoca. Mas ela num vai dá pra gente. Só ficam olhando
lá pra cima.
- Ainda
num entendi porque esse bando de gente tá aqui. Vamo olhar mais de perto.
Nelson
bateu as asas até o outro lado da praça e pousou numa estátua, virado de frente
para uma janela. Nestor tentou acompanhar e pousou ao lado do irmão.
- A
gente ficar mudano de lugar num vai matar minha fome.
- Fica
quieto!
A
multidão entrou em alvoroço. A janela estava se abrindo, os flashes brilhavam
pelo ar. Um sujeito de estatura baixa surgiu erguendo a mão. Ele parecia saudar
a multidão que estava à sua espera. Uma multidão que nunca tinha esperado por
ele antes. Estavam lá justamente para conhecê-lo.
- Ué, mas
ele nem tá comendo pipoca, porque isso aí tudo? – Disse Nestor.
- Vai
ver ele começa a jogar migalhas de pão lá de cima, quem sabe!?
A ideia
de distribuir pão, na verdade, fazia mais sentido do que Nelson e Nestor
poderiam imaginar. Aquilo não estava tão distante da realidade do homenzinho
que o mundo aguardava para conhecer. Era alguém com certa serenidade, calma e
ar de timidez. Traços de sabedoria também pareciam recair sobre seu rosto,
levemente enrugado, mas poderia ser apenas um alarme falso em vista de sua
idade. Ainda era cedo para dizer quais seriam os rumos que aquela pequena
figura recém descoberta, encarada pela multidão, poderia traçar com suas vestes
brancas.
As
nuvens se condensaram ainda mais e o vento ficou mais forte. Os dois irmãos, no
alto da estátua, sentiram o vento frio e algumas gotas d´água encostarem suas
penas claras.
- Vamo
saí daqui, Nestor! – E começou a voar para o lado oposto da praça.
Nestor
decolou seguindo o irmão e reclamando dos roncos de sua barriga.
-
Espero que esses chuvisco afaste essa turma daqui. - disse ele.
Enquanto
sobrevoavam a multidão, um a um, dos mais variados guardas chuvas, foram se
abrindo dentre as pessoas, espalhando várias cores ao longo do espaço. Ninguém
queria mover um só passo. Pelo menos, não enquanto o pequeno homem no alto da
varanda não fizesse seu primeiro discurso. Principalmente em meio a certas
polêmicas que a instituição enfrentava naquele momento.
Os dois
irmãos se esconderam debaixo de uma marquise com vista privilegiada do púlpito
que havia sido preparado exclusivamente para o recém-nascido. Ele caminhou
silenciosamente até o local, ajeitou os óculos no rosto e observou as pessoas
por um tempo. Os flashes das câmera eram incessantes e os rostos alegres e
curiosos se espelhavam dentre os guarda-chuvas. O homem sorriu para as pessoas
que estavam naquele espaço aberto e começou seu discurso. Numa língua que
Nelson e Nestor eram incapazes de compreender. Pareciam sons repetidos e sem
sentido, tal qual os gatos e cachorros faziam.
- Acho
que gostaram dele. – comentou Nelson, balançando a cabeça.
- Tá
com tique de novo, mexeno o pescoço.
- Ué,
mas você também faz isso. Todos nós fazemos. É coisa de família, né não!?
Ficou
alguns segundos em silêncio e continuou.
- Será
que todo mundo aqui é da família dele? Daquele que tá falano?
Nestor
olhou ao redor. O tom de voz do homem de vestes brancas era baixo. Os tons de
sua voz não pareciam ter grandes variações. Mas independentemente do que ele
dizia, os milhares de fotógrafos e guarda-chuvas, ouviam atentamente e o
semblante de cada um era pacífico.
- Num
sei. Parece que não, mas estão olhano ele como se falasse pra todos. Igual a
gente, como se as pessoas todas fossem irmãos.
-
Uau! - exclamou Nelson e continuou –
Você fala só besteira quando tá com fome, né!?
- Foi
isso que eu entendi, ué.
Os dois
discutiram por um tempo. A chuva cessou e o discurso chegou ao fim. O homem de
branco agora era conhecido pelo mundo todo. Tinha dado seu recado para todos e
revelado seu novo nome. Sim, ele tinha dois: um de batismo e outro inspirado em
alguém que era um referencial para ele. Um nome que nenhum antecessor tinha
escolhido.
O
público aplaudiu e os irmãos e voaram para longe, cruzando a multidão mais uma
vez e saindo das fronteiras do menor país do mundo.
Desde
aquele dia, muito se ouviu falar do pequeno homem pelo mundo afora. Logo foi
revelado seu estilo de vida simples e forte engajamento para questões
internacionais. Se envolveu em pequenas polêmicas e conseguiu ganhar um rótulo
de ser moderno, mesmo com atitudes ditas “conservadoras”, como já se esperava
de sua parte. Conseguiu a admiração de muitos e se tornou popular. Mesmo sem
gravar discos e participar de programas de TV, como alguns membros de sua
instituição costumam fazer no Brasil.
Nelson
e Nestor ainda não presenciaram outro momento como aquele. Nem ninguém, desde
então. Mas o homem de roupas brancas voltou várias e várias naquela varanda.
Assim como os irmãos.
Um dia,
decidiram se arriscar e pousaram na varanda. Bem na hora em que o homem havia
terminado de falar. O senhor se virou para os dois e abriu um sorriso.
- Ah,
vejo que vocês voltaram! – falou o homem. – Estava me perguntando se
apareceriam novamente.
Ele
pegou alguns papéis que estavam no púlpito. Desdobrou um jornal italiano que
estava no meio deles e observou a fotografia impressa ao lado da manchete.
Era uma
imagem dele próprio no alto da varanda, daquela noite chuvosa com dois pombos
brancos cruzando o céu. “Era um sinal de paz, do espírito santo”, pensou o
homem. Ele dobrou o jornal e se recolheu em seus aposentos com a meta
transmitir uma mensagem de paz para o resto do mundo.
P.J. Souza