Quem disse que é errado?
Aos 3 anos eu usava
vestidos rosa, brincava com ursinhos e era a princesinha da família. A primeira
filha e a primeira neta. E também ganhava um irmão que vestia azul, que um dia
tomaria conta da família. Aos 7 anos eu usava maria-chiquinha e adorava o clube
das Winx, o uniforme do colégio era uma saia e eu adorava fazer pose para as
fotos como uma mini top model de rosto redondo e expressões exageradas.
Aos 11 anos eu
queria jogar handbol. Minhas amigas disseram que era melhor fazermos as
sobrancelhas e deixarmos de ser boca virgem, eu segui o combinado, beijei um
menino, como o esperado, foi totalmente desleixado, mas pelo menos tinha
beijado.
Aos 13 eu precisava
perder peso, raspar as pernas e ter um namorado, nessa ordem, afinal a barbie
precisa do ken. Fui eu namorar, mas o namoro tinha um gosto estranho, não quis
mais, durou uma semana, para as meninas era muito. Eu tinha amigas na igreja
também, uma era meio diferente, minha mãe me disse: “Não anda muito com fulana
ela pode querer alguma coisa com você, ou podem achar que você é igual a ela”,
eu não entendi na época. Hoje fulano é mais feliz. Aos 15 minha mãe me disse
que minhas roupas eram feias para mim, pedi para cortar o cabelo... “só se
colocar brinco e usar saia”. Então cortei e pintei, fiquei assim por um tempo,
mas não mudei muito as roupas.
Aos 16 anos um
carinha me apareceu, era bonito tinha um beijo bom, mas o gosto do namoro foi
temporário como mastigar chiclete, e no terceiro mês perdeu o doce. Falei um
dia, descontraída, para as matriarcas da família: “Quem sabe vocês não tem uma
nora?!”, foi igualzinho quando as personagens cospem água nos desenhos, cheguei
a ver desespero nos olhares e desmenti a piada para todos, inclusive para mim.
“Eu não quero!” “Eu não posso!” “É errado!” foi o que eu preguei
lá junto com as outras placas de “Estudar é bom, mas tem que ter um namoradinho
né?!” “Essa sua amiga não é... cê sabe...” “Ah minha filha, quero ver você namorando”.
Aos 18 anos eu
ganhei um beijo, o gosto era mais do que doce, mas se azedou com minhas
próprias palpitações, essas gritavam culpa, e um avião deixava um rastro de
fumaça com letras grandes: “TÁ ERRADO”. Eu aceitei que estava errada e só
estávamos bêbadas. E o “eu te amo” era só uma amizade forte.
Margo Blue
adorei o ritmo do texto!
ResponderExcluirAdorei o texto, conseguiu me prender até o final!
ResponderExcluirTambém adorei o ritmo do texto e achei muito interessante como a construção da identidade e personalidade da pessoa no texto e a construção da narrativa vão acontecendo de forma simultânea. Isso instiga o leitor a continuar lendo e faz ele se sentir mais próximo, íntimo.
ResponderExcluirAdorei o texto e a forma como ele foi construído, achei muito interessante e prendeu minha leitura. Quanto ao conteúdo, entendo muito essa questão do que é errado e certo pra família. A gente cresce ouvindo isso e se torna impossível não associar uma coisa a outra. Prova disso é que existe uma pesquisa feita por sexólogos que diz que a dificuldade de chegar ao orgasmo na mulher muitas vezes está associada à educação conservadora que ela teve. Essa educação nos algema e nos impede de muitas coisas. Espero que você consiga quebrar esses paradigmas e se libertar! Estamos juntxs.
ResponderExcluirSem querer bancar o crítico gastronômico do filme "Ratatouille", mas o grande mérito do seu texto foi a "perspectiva". Você conseguiu dar uma ideia clara e límpida sobre o SEU ponto vista da história e SEU panorama acerca dos acontecimentos familiares com a dose ideal de nostalgia. Tanto que nem estou considerando tal crônica como uma ficção, mas como um relato pessoal. E a vantagem de tal acerto é a capacidade de fazer com que os leitores (tal qual este que te escreve) sintam exatamente o que você sentiu durante toda a trajetória desde o colégio até agora. Uma forma narrativa mais íntima, por assim dizer. Além disso, permitiu uma reflexão sobre o conceito de "certo" ou "errado" de uma forma tranquila, sem agressividades exageradas, ou imposições, mas sempre deixando claro o que te afetava. O final é como uma alfinetada que nos faz sentir tudo aquilo que está sendo reprimido, do jeito que você esperava proporcionar ao leitor (acredito eu). Simplificando: um ótimo texto! ;)
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