sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O som da ignorância

Sábado. Meio dia. Sol estalando. Dia perfeito para uma ida à praia, mas o destino, caro leitor, era outro, nenhum pouco empolgante quanto, o cursinho de pré-vest o esperava. A fila do brt estava dando voltas, já que por algum motivo só passava parador. Miguel, no auge dos seus 19 anos, vestindo uma camisa listrada e ouvindo Gadú nos fones só queria chegar a tempo de sua aula de biologia.
            O murmurinho repleto de reclamações já tomava conta de toda a estação. E tal como a cereja que faltava nesse bolo de caos, havia três caras -pra lá da meia idade- disseminando, para quem quisesse ouvir, seu repúdio às feministas. Ou como eles chamavam “vadias gananciosas”, já que teriam lido uma notícia que falava sobre a luta das mulheres em prol da igualdade de salários. Ah... Não demorou muito para que corajosas que estavam por perto começassem a intervir no discurso repugnante que eles pregavam.
            “Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar”.
Nem mesmo a calmaria transmitida por essa canção foi possível manter Miguel inerte ao que acontecia ao seu redor. Não resistiu. Quando tomou por si já estava se encaminhando ao local de desavença. O sorriso debochado e irônico dos homens envolvidos ao ver um cara tão novo defendendo a causa, fez surgir respostas quase que instantâneas (e preconceituosas): “não venha com essa viadagem, elas querem roubar nossos empregos”, “saem por aí mostrando o peito e depois ainda querem ser respeitadas, cuidado, garoto!”. Alerta? Receio, eu diria.
            Receio da igualdade, da perda de poder, da autonomia. A playlist agora era outra, o canto suave desaparecera dos fones do jovem. Indignação era o que ecoava. Feministas demais. Revolucionárias demais. Unidas DEMAIS. Por mais que, muitas vezes, mal vistas e faladas, o feminismo ia além da busca por direitos iguais. Ele ajuda todos os dias, homens como Miguel a se livrarem das amarras da masculinidade, impostas pela sociedade, e auxilia na formação de um pensamento crítico quanto ao poder do homem sobre a mulher, que se resume à zero.
            Era para ter sido mais um sábado ouvindo sobre mitocôndrias e células. No entanto, dessa vez, a aula foi sobre humanidade e no meio da plataforma de ônibus. Nem um pouco convencional, ainda bem! Já que se for para falar de convenção, vamos nos atentar ao costume de escolher o melhor repertório musical para cada momento do dia. Sábado. Uma e meia. Sol estalando.

Oblíqua Matoso

4 comentários:

  1. Infelizmente retratou algo tão comum na sociedade,gostaria mais ainda se você tivesse aprofundado mais nessa temática caótica.

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  2. Gostei muito de como você mostrou homens que se importam com a causa e não apenas os senhores machistas. Mostra como a sociedade vem mudando, mesmo que de maneira lenta.

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