O som da ignorância
Sábado. Meio dia. Sol estalando. Dia
perfeito para uma ida à praia, mas o destino, caro leitor, era outro, nenhum
pouco empolgante quanto, o cursinho de pré-vest o esperava. A fila do brt
estava dando voltas, já que por algum motivo só passava parador. Miguel, no
auge dos seus 19 anos, vestindo uma camisa listrada e ouvindo Gadú nos fones só
queria chegar a tempo de sua aula de biologia.
O murmurinho
repleto de reclamações já tomava conta de toda a estação. E tal como a cereja
que faltava nesse bolo de caos, havia três caras -pra lá da meia idade-
disseminando, para quem quisesse ouvir, seu repúdio às feministas. Ou como eles
chamavam “vadias gananciosas”, já que teriam lido uma notícia que falava sobre
a luta das mulheres em prol da igualdade de salários. Ah... Não demorou muito
para que corajosas que estavam por perto começassem a intervir no discurso
repugnante que eles pregavam.
“Shimbalaiê, quando vejo o sol
beijando o mar”.
Nem mesmo a calmaria transmitida por
essa canção foi possível manter Miguel inerte ao que acontecia ao seu redor.
Não resistiu. Quando tomou por si já estava se encaminhando ao local de
desavença. O sorriso debochado e irônico dos homens envolvidos ao ver um cara
tão novo defendendo a causa, fez surgir respostas quase que instantâneas (e
preconceituosas): “não venha com essa viadagem, elas querem roubar nossos
empregos”, “saem por aí mostrando o peito e depois ainda querem ser
respeitadas, cuidado, garoto!”. Alerta? Receio, eu diria.
Receio da
igualdade, da perda de poder, da autonomia. A playlist agora era outra, o canto
suave desaparecera dos fones do jovem. Indignação era o que ecoava. Feministas
demais. Revolucionárias demais. Unidas DEMAIS. Por mais que, muitas vezes, mal
vistas e faladas, o feminismo ia além da busca por direitos iguais. Ele ajuda
todos os dias, homens como Miguel a se livrarem das amarras da masculinidade,
impostas pela sociedade, e auxilia na formação de um pensamento crítico quanto
ao poder do homem sobre a mulher, que se resume à zero.
Era para ter
sido mais um sábado ouvindo sobre mitocôndrias e células. No entanto, dessa
vez, a aula foi sobre humanidade e no meio da plataforma de ônibus. Nem um
pouco convencional, ainda bem! Já que se for para falar de convenção, vamos nos
atentar ao costume de escolher o melhor repertório musical para cada momento do
dia. Sábado. Uma e meia. Sol estalando.
Oblíqua Matoso
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÓtimo texto!
ResponderExcluirInfelizmente retratou algo tão comum na sociedade,gostaria mais ainda se você tivesse aprofundado mais nessa temática caótica.
ResponderExcluirGostei muito de como você mostrou homens que se importam com a causa e não apenas os senhores machistas. Mostra como a sociedade vem mudando, mesmo que de maneira lenta.
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