quinta-feira, 12 de setembro de 2019


Enfeites de rua

"Faltam 3 minutos, vai dar tempo. Tem que dar!". Ele pensou, enquanto corria para pegar o ônibus. Bem, não deu.
-Olha pelo lado bom, primeiro da fila.
-Mas o próximo só vem em 1 hora.
-Poderei escolher qualquer lugar.
-Se encher terei que dar lugar para algum idoso.
-Só escolher um dos últimos, idoso não gosta. --Mas são tão desconfortáveis.
O homem continuou discutindo em silêncio. Mas era homem ou garoto ? Nem ele sabe. Mais fácil jovem.
Passou o tempo. A conversa funcionou, ficou tão entretido consigo que se absteve a todo o mofo nas paredes, as rachaduras no teto, os pedaços de parede pintada caídos no chão, que enfeitavam todo o melancólico terminal.  Sem contar os enfeites móveis, que carregam todas essas características em roupas surradas e sujas, mais conhecidas como trapos, mas como não eram muito notados, não atrapalhavam tanto, exceto quando tiravam o jovem de sua conversa  solitária para pedirem dinheiro. O jovem disse a frase que de tanto ser repetida já se sabe pelo olhar: não tenho dinheiro.
-Boa noite, piloto.
A cara do motorista já dizia que a noite nao estava boa mas após uma fração de tempo ele resolveu responder, de maneira ríspida, seca, para mostrar que não queria seguir as normas sociais mesmo elas sendo mais fortes que ele.
"Passe", estava escrito no leitor de cartões de transporte. É "maquininha" mesmo, carioca nenhum chama disso. Assim como qualquer suco de guaraná natural num copo plastico se chama Guaravita. Mesmo ele sabendo que iria passar na catraca, a apreensão sempre toma conta de sua face nos instantes que demoram para aparecer a resposta eletrônica. Entrou, agora o destino de sua vida estava na mão do motorista, um bom motivo para sentar-se aliviado. Mas antes precisava escolher o lugar perfeito -não adiantou a conversa com seu subconsciente antes do embarque- ele sentou atrás logo atrás dos maiores bancos, queria esconder-se dos olhares de outros passageiros, não por timidez, mas por otimismo. Ele acreditava que o mundo poderia ser melhor, ver os olhares vazios e sem vida dos outros o desmotivaria. Com isso resolveu olhar para a janela -vai que melhora- até que melhorou, no início. Via casas maravilhosas, prédios gigantescos, carros que o faziam sonhar acordado( conseguia se imaginar la dentro) mas a medida que se aproximava de casa (ele percebia pelas trepidações do onibus) não conseguia mais ter enfeites bonitos para imaginar-se com eles. Não se imaginava com aqueles carros e casas que passou a ver por perto- quem se imaginaria morando no lado de um valão ?- com isso, voltava a conversar consigo.
Seu ponto já chegou, essa tática funcionou mais uma vez. E ele continua acreditando num mundo feliz e melhor. 

Carinha Que mora logo ali


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