quinta-feira, 12 de setembro de 2019


Armas, pra que te quero?

O quão cidadão de bem é aquele que porta uma arma dentro de casa? Não, não me venha com esse papo de defesa pessoal. Deter algo que numa fração de segundos pode tirar a vida de alguém te faz poderoso, isso todos sabemos, mas será que estamos preparados para lidar com esse sentimento novo, de posse e de controle? Apostaria que não.
Eu, que nasci e fui criada na favela sei bem o que é conviver com armas, e acredite, não é nada confortável. A ameaça não estaria mais só naqueles que estão fardados, ou porventura, naqueles que enxergam o mundo do crime como opção. Ela estaria bem ao nosso lado, nas mãos dos nossos vizinhos, talvez parentes. Relações de medo e desavenças seriam criadas. Numa sociedade em que o número de pessoas mortas por arma de fogo aumenta exponencialmente, ter uma medida dessas como proposta de governo é  - no mínimo - irresponsável.
No entanto, sabemos, é claro, para quem essas armas seriam facilmente concedidas. O morador da favela, por sua vez, não precisa de arma para se encontrar em zona de perigo, já que seu guarda chuva, por exemplo, pode ser confundido com um fuzil. Como diria Cidinho e Doca “Pois moro na favela e sou muito desrespeitado/A tristeza e alegria aqui caminham lado a lado”,sendo a qualidade de vida dos que habitam as comunidades do Rio muito inferior à daqueles que não atravessam sequer o túnel Rebouças.
Infelizmente, pode ser percebido entre nós, moradores de favelas, o constante interesse em buscar por uma alternativa de segurança que não nos é fornecido pelo aparato do Estado, de tal forma que muitos dos nossos acabam por cair, no que podemos chamar de conto do vigário, em que o porte de arma é visto como solução. Posso até não ser alvo direto desses revólveres, mas temo pelos meus que são. Primos, tios, amigos todos esses que por suas cores ou condição social estão sujeitos a ataques dos mais diversos.
 A definição de cidadão de bem, portanto, é deturpada todas as vezes que utilizada com o propósito de engrandecer o “eu” e atacar o outro, seja este qual for. Dentro das favelas, ou fora, a solução nunca será os 80 tiros dados.

 Oblíqua Matoso


2 comentários:

  1. Você conseguiu apresentar muito bem como uma "situação geral",te afete de uma forma pessoal,achei a linguagem muito formal,mas o texto estava bom.

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  2. Muito bom texto, Matoso... bem ao encontro do que foi proposto como tema dessa crônica.

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