sexta-feira, 29 de setembro de 2017

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 Quanto mais o tempo passa mais difícil fica para o corpo lidar com o peso do silêncio. Não apenas de uma maneira física mas também de uma maneira psicológica. O peso do silêncio pode ser sentido no café da manhã com a família. A atitude rotineira de ver seu pai fazendo ovos mexidos e sua mãe tomando uma xícara de café preto, bem doce, enquanto anda pela casa falando, em um monólogo, todos os afazeres do dia torna o silêncio insuportável. Seu pai não a ouve, ela não te ouve, ela não quer te ouvir. O silêncio pesa quando suas amigas te chamam para ir pra praia e você não quer ir. Não gosto de praia, não gosto de sol, não gosto de memórias.
Quanto mais o tempo passa e o silêncio pesa mais difícil fica de distinguir o real do imaginário. Tudo que você fez na vida foi negar, foi fingir, foi seguir o conselho da sua mãe que era melhor para todo mundo que sua imaginação fosse fértil, que o silêncio faria esquecer. Mas o silêncio nada mais faz com que você ache que ficou louca, você sabe que não é louca...mas tem tanta certeza? O silêncio continua pesando quando você sai, se diverte, encontra um amigo -todos eles são seus amigos- vai para casa dele, passa a noite e depois some o mais rápido que pode para não correr o risco de ficar, de falar, de achar que pode quebrar o silêncio. O silêncio é pesado demais para ser quebrado e você não saberia lidar com as consequências.
 Toda noite quando já acabou as tarefas do dia, a rotina que serve como um ópio para qualquer pensamento fora dos parâmetros estabelecidos a anos, você pensa. Você tem certeza que não está louca, sua mente seria incapaz de te enganar desta maneira a tanto tempo. A tanto tempo que você não sabe nem mais quais são suas memórias posteriores ao silêncio. O silêncio enlouquece e o dia amanhece.
Você levanta, a rotina segue mansa e implacável, seu pai na cozinha, sua mãe andando pela casa com a xícara de café preto dando continuidade ao seu grande monólogo matinal. É uma nova oportunidade pra fazer tudo diferente. Depois de tantos anos você já está acostumada com todas as novas oportunidades que as manhãs te trazem. Você nunca usou nenhuma. Você queria tanto ter usado suas oportunidades a mais tempo, quando as coisas estavam menos enraizadas, quando você tinha certeza. Mas você nunca usou. Hoje é mais um dia para você se arrepender. Os ovos mexidos ficam prontos, o café preto acaba e junto com ele o monólogo
matinal. Você ainda não terminou de comer. Seu celular vibra e é uma mensagem da noite passada, de quem você correu, deixou a cama, o quarto e o casaco sem nem se despedir. A única certeza que você tem é de que não vai responder. Nada é forte o suficiente para erguer o peso do silêncio.

Pérsefone Reis

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