Quanto mais o tempo
passa mais difícil fica para o corpo lidar com o peso do silêncio. Não apenas
de uma maneira física mas também de uma maneira psicológica. O peso do silêncio
pode ser sentido no café da manhã com a família. A atitude rotineira de ver seu
pai fazendo ovos mexidos e sua mãe tomando uma xícara de café preto, bem doce,
enquanto anda pela casa falando, em um monólogo, todos os afazeres do dia torna
o silêncio insuportável. Seu pai não a ouve, ela não te ouve, ela não quer te
ouvir. O silêncio pesa quando suas amigas te chamam para ir pra praia e você
não quer ir. Não gosto de praia, não gosto de sol, não gosto de memórias.
Quanto mais o tempo passa e o silêncio pesa mais difícil
fica de distinguir o real do imaginário. Tudo que você fez na vida foi negar,
foi fingir, foi seguir o conselho da sua mãe que era melhor para todo mundo que
sua imaginação fosse fértil, que o silêncio faria esquecer. Mas o silêncio nada
mais faz com que você ache que ficou louca, você sabe que não é louca...mas tem
tanta certeza? O silêncio continua pesando quando você sai, se diverte,
encontra um amigo -todos eles são seus amigos- vai para casa dele, passa a
noite e depois some o mais rápido que pode para não correr o risco de ficar, de
falar, de achar que pode quebrar o silêncio. O silêncio é pesado demais para
ser quebrado e você não saberia lidar com as consequências.
Toda noite quando já
acabou as tarefas do dia, a rotina que serve como um ópio para qualquer
pensamento fora dos parâmetros estabelecidos a anos, você pensa. Você tem
certeza que não está louca, sua mente seria incapaz de te enganar desta maneira
a tanto tempo. A tanto tempo que você não sabe nem mais quais são suas memórias
posteriores ao silêncio. O silêncio enlouquece e o dia amanhece.
Você levanta, a rotina segue mansa e implacável,
seu pai na cozinha, sua mãe andando pela casa com a xícara de café preto dando
continuidade ao seu grande monólogo matinal. É uma nova oportunidade pra fazer
tudo diferente. Depois de tantos anos você já está acostumada com todas as
novas oportunidades que as manhãs te trazem. Você nunca usou nenhuma. Você
queria tanto ter usado suas oportunidades a mais tempo, quando as coisas
estavam menos enraizadas, quando você tinha certeza. Mas você nunca usou. Hoje
é mais um dia para você se arrepender. Os ovos mexidos ficam prontos, o café
preto acaba e junto com ele o monólogo matinal. Você ainda não terminou de comer. Seu celular vibra e é uma mensagem da noite passada, de quem você correu, deixou a cama, o quarto e o casaco sem nem se despedir. A única certeza que você tem é de que não vai responder. Nada é forte o suficiente para erguer o peso do silêncio.
Pérsefone Reis
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