É
uma verdade já muito conhecida a de que datas festivas, no geral, podem ser
sempre muito esquisitas, e o Natal passado foi, provavelmente, a mais estranha
delas. Estávamos todos sentados em torno daquela longa mesa de jantar de
madeira corrida, meus amigos, os amigos dos meus amigos e algumas outras
pessoas as quais eu sequer fazia ideia de quem fossem. Minha irmã, sentada na
cadeira ao lado da minha, tentava conversar comigo, mas eu não conseguia me
concentrar em nada além do pequeno pinscher sobre a mesa. Uma amiga dos amigos
havia levado consigo o seu pequeno cachorro e decidira colocá-lo sobre a mesa,
e o maldito pinscher não parava de latir, sufocado e esganiçado.
Nesse
momento a campainha toca e alguém se levanta para abrir a porta. É um dos meus
amigos que chega para a ceia e senta-se na ponta da mesa, próximo de mim. Ele
me entrega um jornal, parecendo preocupado, e eu encaro a manchete da primeira
página. A notícia é sobre o assassinato de uma jovem na manhã do dia anterior.
Antes que eu possa entender o que aquilo significa, minha irmã, completamente
atordoada, arranca o jornal de minhas mãos. Eu lhe pergunto qual é o motivo daquilo,
mas ela me ignora. Então me levanto e vou até o banheiro, e enquanto encaro meu
reflexo no espelho, tento buscar em minhas memórias quem era aquela mulher da
primeira página. Como um flash, eu me lembro.
Eu estou parada junto
à minha irmã, no meio da rua, e um grupo de mulheres corre pela calçada próximo
de nós. Nós estamos fugindo de alguém, mas tudo parece muito nublado e distante para mim. A mulher misteriosa aparece correndo em nossa direção,
enquanto grita parecendo completamente surtada. Como legítima defesa eu a
impeço e, antes que possa entender o que estou fazendo, seguro seus cabelos e
bato sua cabeça com força contra a calçada repetidas vezes. O sangue está por
toda parte, ela está morta e eu enfim posso respirar. As memórias terminam e
sou puxada de volta ao presente. Eu retorno para o jantar, me sento e encaro
minha irmã. Ela me encara de volta. Sentadas naquela longa mesa de madeira
corrida, apenas nós duas sabemos a verdade. Aparentemente, eu assassinei uma
pessoa na noite passada. E não qualquer pessoa, mas a namorada do meu melhor
amigo, e o pior de tudo isso é que eu não sei o por quê. Enquanto tento
respirar, o maldito pinscher continua latindo.
Hermes, o mensageiro
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