sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Sonho oculto



Faz tempo, mas não esqueci. Esse sonho que nada tem de escondido. Faz a gente relembrar sempre que baixa o astral. Não há como não ver os sulcos do tempo que nos estigmatizam e mudam toda verdade, e, quando adulto sonhamos com alguém tão viva como sempre esteve.
Nesse sonho de outrora pedia que permanecesse com teu cheiro original, sem fragrâncias baratas a me confundir. Pedia que abrisse seus braços cansados da labuta e me acolhesse em teu colo esse carinho esquecido. Enxugasse minhas lágrimas e aliviasse a dor contida no peito, me trazendo conforto. Pedia que trapaceasse o tempo, paralisasse a hora e escondia a saudade que o passado nos impunha. Te pedia para que salvasse tua cria do futuro incerto, que segurava meu corpo em teus braços, que corrigia novamente minhas faltas cometidas diariamente. No sonho pedia que repetisse as palmadas ardentes, e me trocasse as fraldas sujas pelas limpas passadas da velha mesa de jantar. Que aquecesse na chaleira velha, a água daquele banho morno que me davas ao entardecer de um inverno pobre naquela bacia de alumínio embaçado. Nesse sonho, me alegrava com o talco que perfumava o ambiente familiar daquelas tardes. Relembro ainda do acordo velado, numa aliança única de afeto, que firmávamos com sua atenção e nunca indiferente de respostas para os meus “porquês”.
Que sonho! Nele pedia o desejo de te querer com a ternura do passado, trazendo um presente renovado naquilo que se separou sem aval do coração. Nas águas de um só oceano, pedia que prendesses as amarras do teu barco, no cais de minha vida; que viessem ventos e trovões porque nada me soltaria das correntes de tua proa, e o leme de minha memória entristecida não se aventuraria a mudar de rumo sem tua bênção.

Que sonho! O assobio da tua canção preferida me chamava, eu estava ali, perto, pronto para tuas demandas do armazém e da padaria. Me chamavas, eu te ouvia, era teu, ainda sou. Aquela criança ainda existe. Te cobrava as horas do teu sono noturno que nunca conseguia ver. Sinto ainda hoje o consolo do teu colo nas noites preparadas para frio. Te pedia em sonho, e ainda peço que afogue meus soluços com tuas mãos serenas, que contorne minha face com teus dedos leves. Sentir o odor da fragrância do cloro da tua luta diária.
Que sonho! Hoje te peço, mãe, dormindo ou sonhando; que beije meus cabelos com tua boca doce. Me cubra até os ombros e adormeça comigo, sem se virar, e prometo te deixar entrar no meu sonho de menino, quando outrora foste a rainha que me governava e hoje reina no meu sonho de adulto.

JULINHO DA ADELAIDE


 

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