Faz tempo, mas não
esqueci. Esse sonho que nada tem de escondido. Faz a gente relembrar sempre que
baixa o astral. Não há como não ver os sulcos do tempo que nos estigmatizam e
mudam toda verdade, e, quando adulto sonhamos com alguém tão viva como sempre
esteve.
Nesse sonho de outrora
pedia que permanecesse com teu cheiro original, sem fragrâncias baratas a me
confundir. Pedia que abrisse seus braços cansados da labuta e me acolhesse em
teu colo esse carinho esquecido. Enxugasse minhas lágrimas e aliviasse a dor
contida no peito, me trazendo conforto. Pedia que trapaceasse o tempo,
paralisasse a hora e escondia a saudade que o passado nos impunha. Te pedia
para que salvasse tua cria do futuro incerto, que segurava meu corpo em teus
braços, que corrigia novamente minhas faltas cometidas diariamente. No sonho
pedia que repetisse as palmadas ardentes, e me trocasse as fraldas sujas pelas
limpas passadas da velha mesa de jantar. Que aquecesse na chaleira velha, a
água daquele banho morno que me davas ao entardecer de um inverno pobre naquela
bacia de alumínio embaçado. Nesse sonho, me alegrava com o talco que perfumava
o ambiente familiar daquelas tardes. Relembro ainda do acordo velado, numa
aliança única de afeto, que firmávamos com sua atenção e nunca indiferente de
respostas para os meus “porquês”.
Que sonho! Nele pedia o
desejo de te querer com a ternura do passado, trazendo um presente renovado
naquilo que se separou sem aval do coração. Nas águas de um só oceano, pedia
que prendesses as amarras do teu barco, no cais de minha vida; que viessem
ventos e trovões porque nada me soltaria das correntes de tua proa, e o leme de
minha memória entristecida não se aventuraria a mudar de rumo sem tua bênção.
Que sonho! O assobio da
tua canção preferida me chamava, eu estava ali, perto, pronto para tuas
demandas do armazém e da padaria. Me chamavas, eu te ouvia, era teu, ainda sou.
Aquela criança ainda existe. Te cobrava as horas do teu sono noturno que nunca
conseguia ver. Sinto ainda hoje o consolo do teu colo nas noites preparadas
para frio. Te pedia em sonho, e ainda peço que afogue meus soluços com tuas
mãos serenas, que contorne minha face com teus dedos leves. Sentir o odor da
fragrância do cloro da tua luta diária.
Que sonho! Hoje te
peço, mãe, dormindo ou sonhando; que beije meus cabelos com tua boca doce. Me
cubra até os ombros e adormeça comigo, sem se virar, e prometo te deixar entrar
no meu sonho de menino, quando outrora foste a rainha que me governava e hoje
reina no meu sonho de adulto.
JULINHO DA ADELAIDE
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