sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Não foi dessa vez

Estava muito calor, disso eu me lembro. O ar dentro do ônibus pouco vazio estava pesado, e o vento que entrava pelas janelas era ainda mais abrasador. Mas sempre foi assim voltando da escola. Os buracos pelo caminho atrasava a passagem do ônibus que já não era lento o bastante. Acabei me acostumado, ou pelo menos me conformei com a minha situação. O cheiro de suor das pessoas se misturavam tornando ainda mais difícil a tarefa de respirar, e eu já não sabia se o odor vinha de mim mesma ou das outras sardinhas naquela lata conhecida como transporte público.
Eu sempre carregava um livro para ocasiões tediosas, e aquele 2014 estava repleto dessas oportunidades. A solidão era minha amiga, e os livros, meus amantes. Mas naquele dia não havia livro que me salvasse, e o jeito era aturar aquele caminho só com meus devaneios que de vez em quando me assustavam.
Olhei para o lado e ele estava lá. Sem um sorriso no rosto, sozinho como eu. Vestia uniforme de escola particular, enquanto eu, usava a camiseta mais limpa que encontrei naquela manhã. Ele olhava para fora da janela às vezes, ou pousava os olhos em seu colo. Não conseguia reconhecê-lo, porém sabia que me era familiar. Mas de onde? Desisti.
O tempo não passava e ele ainda estava lá. Meu ponto era o último, será que o dele também? E se eu fosse falar com ele? Achei que seria constrangedor para ambos, afinal, o que eu diria? Podia perguntar se eu o conhecia de algum lugar, não é? Mas ele me acharia estranha, e eu não queria ser estranha. Foi quando eu vi que ele carregava um livro, o que era raro de se encontrar por ali. Não conseguia ver a capa, e isso estava me matando. Talvez se eu conseguisse ler o título, eu poderia puxar um assunto. E se eu não conhecesse o livro? Desisti.
O ônibus já estava bem mais vazio, mas continuava calor, e ele continuava ali. Eu queria que ele viesse até mim, facilitaria tudo. Mas por que ele o faria? Quem foi que disse que ele estava olhando para mim como eu para ele? Estúpida, eu podia simplesmente levantar e sentar ao seu lado. Não fui. Mas ele levantou. Alto, esticou o braço e puxou a cigarra. Olhei para qualquer um dos lados que não fosse em sua direção, e quando me virei para frente, ele já estava na porta. O livro fechado em sua mão, a capa ilustrada do J.R.R Tolkien despertou uma exclamação alta e involuntária "Ei, eu já li esse livro!". Mas ele não ouviu, e saiu sem olhar para trás.
Voltei para casa naquele dia pensando o que teria acontecido se eu tivesse ido até ele. Eu queria ter sentado ali ao seu lado, conversado sobre a Terra Média e perguntado seu nome. Queria saber se eu o conhecia de algum lugar, e se ele me olhava do mesmo jeito. Mas quer saber? Hoje eu tenho as respostas para todas as minhas perguntas.

Emma Woodhouse

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