sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Sonhei que era noite. Sonhei que estava chovendo e que todo mundo estava apavorado com alguma coisa. Eu não sabia o que era, mas o temia ainda assim. Sonhei que as ruas estavam desertas de repente e que as casas silenciosas estavam lacradas e vedadas, até a última fresta. Não estava tão tarde, o sol tinha acabado de se despedir, mas não havia vida lá fora. Perguntei aos meus pais o que estava acontecendo, e fui ignorada pois eles pareciam preocupados demais em atravessar aquela noite. Ouvi algum de meus irmãos sussurrar "ele está chegando", e o outro responder em mesmo tom "ele já deve estar por aí. Vamos rezar".
Olhei ao redor e minha casa estava repleta de rostos desconhecidos. Havia alguns cães dormindo no sofá, e gatos enormes rondando a cozinha. Fui até a janela tentar ver alguma coisa, mas era impossível. Enormes placas de prata bloqueavam a entrada de seja lá o que queira passar por elas. Ninguém me respondia, era como se eu vestisse a capa de invisibilidade que o Harry ganhou de Natal, enquanto todos se abrigavam no meu quarto e rezavam de mãos dadas. Desisti.
Sentei ao lado da porta e vi que a mesma não estava trancada. Espiei pela abertura e foi quando avistei a lua majestosa no alto, gigante e clara, quase tão próxima quanto o sopro gelado do vento que me pegou de surpresa. Não passara tempo demais, ou pelo menos não que eu notara, mas senti de repente uma dor intensa na coluna. Sentia como se ela estivesse se partindo, e foi quando gritei. Berrei de dor pedindo socorro, atraindo a atenção dos estranhos em meu quarto. Olhei para eles e me levantei. Eles estavam tão pequeninos, e suas expressões...
Sonhei que alguns estranhos gritavam e se afastavam de mim e da fome sufocante que senti quando vi minha irmã correndo. Sonhei que meu corpo estava enorme e coberto de pelos, que meus dentes e língua também haviam crescido e que eu estava babando sem conseguir parar. Sonhei que corri atrás de minha família como se fosse um banquete em fuga, e de estraçalhar a porta de meu quarto que me separava de minha refeição.
Sonhei que eu era a besta que eles tanto temiam e de quem não puderam escapar. 

Emma Woodhouse

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