Há muito tempo não o via. Dele só restava
nojo. Bem no fundo de minha mente, um trauma acorrentado que eu lutava para que
não se soltasse. Eu andava pela orla de uma praia que se misturava com o urbano
de forma aterrorizante; era uma cidade grande, grande e sufocante. O céu estava
nublado, eu era mais uma na multidão, fora do alcance de qualquer um que se
aproximasse. No fundo, sentia algo errado, só não sabia o quê. Ouvi um ruído ao
longe, era desesperador, mas eu não podia ainda identificá-lo.
Chegou mais perto. Aquela voz. Aquela
maldita voz. Voz que tomou conta do meu mais novo -e livre- ser e me sufocou em
segundos. Não lembrava do poder que exercia sobre mim. Do quão frágil eu
poderia ser quando o assunto é ele.
A ansiedade tomou conta. Tremendo, decidi
fugir. A voz tentava me agarrar, me dominar. A tentativa me levou ao passado,
elo por elo. Foi a prova de que superar era impossível para alguém como eu.
Andei apressada por prédios e ruas de paralelepípedo e a neblina ressaltou
minha solidão. Quando o assunto é ele, não há para onde correr.
Sentei, entorpecida diante da minha
incapacidade de esquecer. Contei os segundos para o reencontro. A memória de
suas mãos ásperas e suadas, toques jamais consentidos, mas sempre executados.
As agressões fazendo de meu corpo o culpado por tudo de ruim que acontecia no
mundo. O ódio tão facilmente colocado em palavras. Palavras repetidas com tanta
convicção que se tornaram um mantra. Mantra que me assombra até hoje e me faz desprezar cada centímetro do meu eu.
Ele estava cada vez mais perto, sua voz
calma e aparentemente inofensiva contava os segundos para matar a saudade de
mim. Ele esticou as mãos e, como numa súplica, tateou procurando sua última
chance de me despedaçar por completo.
O ar me faltou, fazendo com que eu me
despedisse de tudo que um dia eu havia tentado ser. Me fazendo dar adeus à
pessoa que eu era e também àquela que um dia eu poderia me tornar. Eu sabia
que, se ele me alcançasse, eu jamais retornaria. E, como se voltasse a
superfície, recorri por um último momento livre. Um último momento completa.
Acordei e me vi sozinha. Aliviada, mas apavorada. De novo perdida no labirinto
do meu passado.
Sylvia Plath
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