sexta-feira, 22 de setembro de 2017



Há muito tempo não o via. Dele só restava nojo. Bem no fundo de minha mente, um trauma acorrentado que eu lutava para que não se soltasse. Eu andava pela orla de uma praia que se misturava com o urbano de forma aterrorizante; era uma cidade grande, grande e sufocante. O céu estava nublado, eu era mais uma na multidão, fora do alcance de qualquer um que se aproximasse. No fundo, sentia algo errado, só não sabia o quê. Ouvi um ruído ao longe, era desesperador, mas eu não podia ainda identificá-lo.
Chegou mais perto. Aquela voz. Aquela maldita voz. Voz que tomou conta do meu mais novo -e livre- ser e me sufocou em segundos. Não lembrava do poder que exercia sobre mim. Do quão frágil eu poderia ser quando o assunto é ele.
A ansiedade tomou conta. Tremendo, decidi fugir. A voz tentava me agarrar, me dominar. A tentativa me levou ao passado, elo por elo. Foi a prova de que superar era impossível para alguém como eu. Andei apressada por prédios e ruas de paralelepípedo e a neblina ressaltou minha solidão. Quando o assunto é ele, não há para onde correr.
Sentei, entorpecida diante da minha incapacidade de esquecer. Contei os segundos para o reencontro. A memória de suas mãos ásperas e suadas, toques jamais consentidos, mas sempre executados. As agressões fazendo de meu corpo o culpado por tudo de ruim que acontecia no mundo. O ódio tão facilmente colocado em palavras. Palavras repetidas com tanta convicção que se tornaram um mantra. Mantra que me assombra até hoje e me  faz desprezar cada centímetro do meu eu.
Ele estava cada vez mais perto, sua voz calma e aparentemente inofensiva contava os segundos para matar a saudade de mim. Ele esticou as mãos e, como numa súplica, tateou procurando sua última chance de me despedaçar por completo.
O ar me faltou, fazendo com que eu me despedisse de tudo que um dia eu havia tentado ser. Me fazendo dar adeus à pessoa que eu era e também àquela que um dia eu poderia me tornar. Eu sabia que, se ele me alcançasse, eu jamais retornaria. E, como se voltasse a superfície, recorri por um último momento livre. Um último momento completa. Acordei e me vi sozinha. Aliviada, mas apavorada. De novo perdida no labirinto do meu passado.

Sylvia Plath

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