Degradê de laranja e azul

Eu quase nunca vejo o sol se pôr. Vivemos em um mundo mecânico, saio de casa às sete, chego no trabalho às oito e saio às quatro. Todo dia, de novo. Moro no vigésimo sexto andar de um prédio, chego em casa, faço um café, vou para a varanda e fico lá até anoitecer, mas não, eu não vejo o sol se pôr.

Queria ter uma visão ampla do horizonte, ver o céu ficar em tons de lilás e rosa até o laranja mais escuro em um lindo degradê com o azul, mas meu horizonte é recortado pelas formas retangulares dos altos prédios de São Paulo.

Às vezes eu vejo o casal do trigésimo andar do prédio da frente jantar, eles nunca se olham diretamente. Já vi crianças sendo concebidas no prédio da esquerda. Já vi o início do relacionamento até as brigas do divórcio de um casal da sacada do prédio azul. Eu acompanhei o crescimento de uma criança no prédio da direita e agora ela até faz balé. Eu via todos os dias pai e filha tomarem café na sacada e agora que o pai se foi a filha não sai mais nos fins de tarde.

Eu pensei em colocar uma rede aqui na varanda, mas eu gosto de ver a vida sentindo o chão gelado.

Eu quase nunca vejo o sol se pôr e por muito tempo me senti desprivilegiado de não ter a visão perfeita de um horizonte em um degradê de laranja e azul, mas eu vejo o sol se pôr recortado por retângulos de concreto e tijolos, e vejo a vida acontecer enquanto os tons do crepúsculo fazem um lindo plano de fundo para uma criança de sete anos dançando com uma saia de tule rosa.

Por Rodrigo M. S.

*Imagem retirada da internet