sexta-feira, 20 de abril de 2018

Diário de Guerra

Chego a estas páginas exausta, com medo de ter gasto todas as minhas palavras. Chego como uma recém-chegada da guerra. E esta é minha jornada. De soldada bravia, à comandante transtornada. Mas jamais derrotada.

Refiro-me a uma guerra física, que escondia uma batalha de discursos. Alistada ao lado dos guerreiros vermelhos, passei anos conhecendo o campo inimigo por meio de mapas, objetos e fragmentos abandonados nas batalhas.  Nos períodos mais estáveis da guerra, parecia que ela nem existia, e com nossos líderes negociando de ambos os lados, algumas interações eram possíveis. Apesar de sermos dois exércitos distintos, disputávamos pelo mesmo território, o qual nós chamávamos de pátria amada. Já fazia dois anos desde o pior estopim da crescente guerra.

Quando fui nomeada como uma das comandantes, pedi uma trégua. "Mantenha seus amigos próximos, e os inimigos mais próximos ainda". Decidi invadir sozinha o acampamento inimigo, que de longe, parecia escuro e sombrio. Mas ao me aproximar, fui recebida por pessoas calorosas. Ninguém me conhecia ali, mas em breve me conheceriam. Seria direta, mas gentil para expor minhas questões.

Apresentei-me com uma bandeira da paz, e eles me reconheceram como alguém para não temer. Minha primeira pergunta não poderia ter sido diferente. "Por que vocês defendem um líder que exclui e desrespeita as minorias da sociedade?". Haviam mulheres ao meu redor e uma delas me respondeu: "Não vejo isso como desrespeito, mas vejo uma pessoa que tem opinião divergente a outrem. A população está carregada de vitimismos e pseudo preconceitos!". Um homem, acompanhado de sua esposa e filhas, também decidiu entrar o debate: "Nosso representante é o único nome que possa fazer frente aos desafios. Ele é o cara que não teme dar a cara a tapa, nem fica em cima do muro!".

Soube que seu líder tinha uma proposta de permitir armas à população após a guerra, mas queria ouvir por mim mesma. "Por que vocês vão permitir armas para todos?", questionei. "Não será bem assim. Haverá fiscalização muito rigorosa e notáveis profissionais analisarão a índole de um cidadão para permitir que ele tenha a posse de uma arma.". Questionei então qual seria o benefício de um cidadão comum obter uma arma. "Ora, pois futuramente, um bandido pensará duas vezes antes de praticar seus crimes, já que não mais contará com a passividade da população." Tentei fazê-los refletir na questão de rebater a violência com violência. Mas então me lembrei que estávamos em guerra.

As questões eram muitas, e eu queria saber mais. Busquei respostas até o dia em que não pude mais argumentar pacificamente. Todavia, digo-lhes que tentei com bravura. Encerrei minha busca, entendendo-os um pouco mais, pois agora os tinha ouvido pessoalmente.

E voltando ao acampamento, cheguei na conclusão de que nessa guerra, não haverão vencedores nem perdedores. Algumas perguntas, como muitas das que fiz, ficam sem respostas. Quanto a outras, não há como declarar sim ou não, certo ou errado. Mas há o ceder. Uma hora uns vencem, outra hora outros, e assim estabelecem o que acham correto. Outra hora acordos de paz são estabelecidos.

Senti que finalmente entendi a dinâmica da guerra. Contudo, uma questão permaneceu: Por que continuar uma guerra, se não há como obter uma vitória permanente? E acho que, pois, no fim, nunca nos deixaremos de nos impor através de um lado. Vamos sempre guerrear para ter a palavra final. Sempre na expectativa da última batalha.

Por Mary-Louise Paris.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Acho ótimo a forma como você contextualizou para inserir o assunto. Muito criativo, apenas um ponto que observei é que você poderia ter exposto mais o seu ponto se vista acerca do assunto, para realmente passar a imagem de uma líder diferente e que queria mudar, mas talvez você não quisesse deixar tão utópico.
    Ademais, fixou excelente, parabéns!

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  3. O texto ficou muito inteligente. Muito bom mesmo. Eu amei!

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