sexta-feira, 6 de abril de 2018

Fracasso de bilheteria

Outono, a agulha menor apontava para o Sul, acima, via apenas uma grande cortina densa, tal como um tecido de seda alvi-cinza, que me impedia de assistir ao espetáculo. Às vezes, porém, abriam-se pequenas brechas entre os panos, me permitindo ter vislumbres da tímida apresentação a qual esperei o dia todo.

No enorme anfiteatro suburbano, sua plateia, formada por pálidos prédios e casas sem reboco, telhadas de amianto, permanecia estática a minha frente e atrapalhava a visão. Ainda na fila, os carros, impacientes, buzinavam, como vaias ensurdecedoras, fazendo-me pensar que não aguentavam mais a demora.

Meus olhos lacrimejavam, não por estar emocionado, mas devido a dois monumentos que fumavam à frente. Junte a isso, a maresia, vinda através dos ventos marítimos, e trazendo consigo as náuseas. Apenas mais um detalhe, naquele dia apático e atípico.

Gradativamente, as luzes foram perdendo a intensidade. Percebi que a apresentação havia sido cancelada. O motivo? “Falhas técnicas” – disseram. No fim, a estrela se foi, dando lugar à próxima atração. Já eu me encaminhei à saída, consciente de que, no próximo sol, voltaria a minha rotina, num fardo tão pesado quanto o de Sísifo.

Pensei até em pedir reembolso, mas a entrada era franca.

Por Homem de Lata.

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