sexta-feira, 6 de abril de 2018

Há amor na rotina

As pessoas passavam ali sem prestar muita atenção. Restos de comida, sacos plásticos, resquícios daqueles que aproveitaram aquele lugar, empobreciam a paisagem. Mas não deixava de ser um espaço magnífico para contemplação. A tarde já chegava ao seu fim na Praça Pôr do Sol, em São Paulo. A correria enchia as ruas, havia um anseio em chegar no conforto de casa. Mas eu me encontrava ali, em silêncio, apreciando os últimos momentos do dia.

O meu pôr do sol era emoldurado pelas luzes dos prédios, que se acendiam aos poucos. Nas ruas era possível ver o aglomerado de carros, num trânsito caótico que só uma megalópole conhece. Era fácil entender aquela rotina, meus olhos eram acostumados com a vida urbana. Diante de mim, estava minha zona de conforto. Logo eu iria para casa, tomaria meu banho e veria o mesmo programa na TV que assistia todos os dias. O jantar seria servido no último prato limpo, pois a louça não se lavaria sozinha. No entanto, naquele momento, eu via um pôr do sol, que não era o mesmo em Goiás ou no Sergipe. 

A vida talvez fosse mais calma por lá, com menos barulho e mais gente dormindo a noite, mas eu não conhecia aquela realidade. Aos meus olhos, a paisagem seria nova, revigorante. A rotina não seria percebida de forma tão arrebatadora, e eu não conseguiria enxergar o cansaço naqueles que passariam por mim. Eu não compreenderia o fato de ninguém parar e observar o único momento em que o sol vai descansar ou por não apreciarem o pequeno e antigo teatro no meio da praça. A calmaria é privilégio de alma recente, pouco desgastada com o ambiente que habita. Tirar a poeira da vista e perceber as maravilhas do cotidiano é raro e, muitas vezes, os compromissos não permitem.

Contudo, eu permaneci parado, pensando quanto tempo eu não desviava do meu percurso para apreciar a vida. Os meus dias se passavam quase sempre da mesma forma, mas, sem nenhuma pretensão em mudá-los, eu me questionava porquê não ao menos notava os pequenos detalhes: as árvores que perdiam suas folhas, o vento que soprava mais forte a noite e as pequenas risadas que ecoavam nas ruas depois de um longo dia de trabalho. 

Então, me levanto e limpo minha calça das plantas que nela grudaram, como tiraria o pó da minha rotina, mas me entreguei a ela resignadamente. Aquele espaço já não era novidade, a calmaria já havia passado e estava sendo substituída pela ansiedade. Eu queria ver um novo pôr do sol.

Por Jaci Roman. 

12 comentários:

  1. Esse texto é um amor e eu me identifiquei super.

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    1. Muito obg, Dandara! Fico feliz em saber que você gostou!

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    1. Opa, que bom! Essa era a intenção. "Crônica pode ser tudo, menos chata".

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  3. Enquanto lia conseguia imaginar tudo em minha cabeça. Parabéns pela boa descrição de cenário. Quanto a gramática, não encontrei erros além desse: "eu me questionava porquê não ao menos...". Nesse caso, deveria ser "por que", visto que é substituto de "por qual motivo". Já o "porquê" representa causa. Para utilizar "porquê" nessa frase deveria estar escrito da seguinte maneira: eu me questionava o porquê de não, ao menos, notar os pequenos detalhes. Espero ter ajudado! Parabéns pela bela crônica!

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    1. Muito obg pela correção. Ficarei mais atenta na próxima crônica. E fico muito feliz q tenha gostado.

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  4. curti a reflexão, mostra bem como não ligamos para essas coisas simples do dia a dia e que são lindas

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    1. É, Aurora, e a gente perde muito por deixar as pequenas coisas passarem desapercebidas.

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    2. E fico feliz q tenha gostado!!

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  5. "A calmaria é privilégio de alma recente, pouco desgastada com o ambiente que habita". Deve ser por isso que viajar é tão bom, num novo ambiente, damos valor a essas pequenas coisas. É uma pena não preservarmos esse sentimento na nossa rotina. Gostei bastante do texto: o tema, a escrita, a reflexão. Me levou a um outro lugar e me fez refletir de verdade.

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    1. Obg, Kunta Boyd! Fico feliz de vdd por ter conseguido transmitir esses sentimentos e te levado para outro lugar.

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