sexta-feira, 6 de abril de 2018

Os tons da solidão

O pôr do sol ao longo do tempo tomou diferentes significados para mim. Quando era criança, sabia que soltar pipa na praia ao pôr do sol dava a ela contornos muito mais bonitos. Sabia que o céu ganhava tons lindos de rosa, e que as nuvens pareciam daquelas pinturas que a gente vê nos museus. Quando estudava à tarde ainda, sabia que ele anunciava o fim de mais um dia de aula, e logo estaria livre para assistir meus desenhos preferidos na TV. Mais tarde, trabalhando, o esperava ansiosamente para anunciar o fim de mais uma cansativa jornada diária.

Aprendi a apreciar um pôr do sol na praia, à beira da água mansa refletida, e também a admirar o cair da tarde da janela de minha casa, com os tons se sobressaindo detrás daquele alto coqueiro que sempre conheci de vista. Nas longas viagens de carro ou de ônibus, que sempre me deixavam com enjoo, ele era a distração necessária. Esquecia a minha ansiedade de chegar ao local e imaginava fotografias da estrada, do relevo inconstante, dos animais pastando, iluminadas por aquele amarelo forte e quente.

Numa fase depressiva, o pôr do sol ganhou grande parte da minha admiração. No silêncio da tarde, caminhava sozinha, o vento rebelando meus cabelos, os pés tocando a grama, e o sol que se punha logo ali na minha frente naquele vale verde. Do lado de fora da grade de onde observava, pessoas e carros passando apressadamente por aquela movimentada rua, entre eu e aquele vale. Eu, do lado de dentro, mantinha-me observadora junto às árvores. Eucaliptos. Se o pôr do sol tivesse um cheiro, com certeza seria o aroma de um eucalipto. Porque carrega tamanho frescor que desperta a vitalidade. É como renascer.

Eu renasci muitas vezes ao pôr-do-sol. Porque ele me prometia sempre que tudo poderia mudar. Foi perto daquela grade, entre a natureza e o vazio dentro de mim onde afoguei muitos dos meus medos. Mas logo ao chegar a noite, o desespero ameaçava me sugar de volta na escuridão. Não me julgue por ter querido muitas vezes que o pôr do sol se eternizasse no horizonte. Que o laranja envolvesse minha alma triste. Que o vermelho acendesse o amor que há muito havia se esfriado.

Hoje, menos triste e cansada, compartilhei outros momentos de entardecer ao lado de outras pessoas. Junto à minha mãe, apreciando a calmaria do mar e o sabor de uma água de coco. Junto a um novo amor, mal prestando atenção às mudanças de tom, vendo mais o entardecer refletido na face dele. Mas nada se compara às lembranças que construí sozinha. Nada se compara à beleza que sobrepunha aquela dor.

Isso me faz pensar que talvez o pôr do sol seja a expressão dos corações solitários. Ele que representa fins, pra dar esperança a novos começos. Que traz ventos agitados, carregando novas promessas. Que cheira a eucalipto e se vê de uma janela do ônibus, no alto da serra, no fim de uma avenida movimentada. Nas chegadas e partidas, ou na inércia do dia a dia. Ele vem para todos. Ou melhor, se vai. Sozinho o sol se esconde, e junto a ele, outros corações que abraçam a solidão.

Por Mary-Louise P.

4 comentários:

  1. Cara... Que escrita incrível. Que texto. Que reflexão. Uau!

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  2. "Não me julgue por ter querido muitas vezes que o pôr do sol se eternizasse no horizonte." e "Isso me faz pensar que talvez o pôr do sol seja a expressão dos corações solitários. Ele que representa fins, pra dar esperança a novos começos." FORAM TIROS NA MINHA ALMA QUE CONCORDA 100%, lindo texto, continue assim!

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  3. que lindo! amei a descrição, os detalhes deram vida ao seu texto. parabéns!

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  4. a descrição do cenário está ótima. Além disso, o texto possui frases muito marcantes como: "Eu renasci muitas vezes ao pôr-do-sol". "Isso me faz pensar que talvez o pôr do sol seja a expressão dos corações solitários". Parabéns! bela crônica!

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