A verdade é que entrei na guerra com o objetivo de matar o maior número de alemães possível, mas só conseguir dar cabo em dois chucrutes antes de perceberem que eu era uma merda como soldado e me colocarem pra dirigir uma ambulância. Eu era um moleque de 19 anos, ainda tinha espinhas no rosto e sequer tinha carteira de motorista; aprendi a dirigir na marra.
O primeiro dia que passei hospitalizado após o acidente, não fui visitado por ninguém. Sem conseguir mover a maior parte dos meus músculos, tentei inutilmente flertar com uma das enfermeiras, que fez a bondade de me ceder um cigarro. No dia seguinte, o Rosemberg estava de pé ao meu leito quando acordei.
Ele era dez anos a mais do que eu, mas parecia ser vinte. Tinha queixo quadrado e uma barba cerrada. Quando não estava ocupado massacrando chucrutes, mandava cartas para a namorada, que o esperava fielmente no outro continente. Vi uma foto dela uma vez, parecia a Rita Hayworth. Foi o Rosemberg quem, após meu primeiro dia nas trincheiras, percebeu que eu morreria se passasse mais doze horas ali e sugeriu que me mandassem para as ambulâncias. Ele salvou minha vida, e eu era covarde demais para agradecer.
- E aí, garoto. - disse, brincando com uma caixa de fósforos entre os dedos.
Movi alguns músculos do rosto para demostrar que eu estava consciente. Papeamos por um tempo; estavam mandando o Rosemberg para o Japão. Na época, fiquei com inveja dele. O clima da Marselha me fazia mal, meu nariz estava sempre entupido. Desejei-o boa sorte no Japão.
- Daqui a uns três meses a gente se vê. Você ainda vai estar aqui, né?
Inclinei levemente a cabeça, afirmativamente.
- Na Marselha, colocamos o papo em dia. Te vejo por aí, garoto.
Olhei para ele enquanto sua presença deixava o quarto. Ele parecia um galã de cinema. Clark Gable e Humphrey Bogart não eram nada perto do Rosemberg.
Doze dias depois, caiu no meu colo o jornal cólicas notícias sobre Nagasaki.
O Rosemberg e eu nunca colocamos o papo em dia.
É hipocrisia, eu sei. Milhares de pessoas mortas ou afetadas pela bomba e eu só conseguia me preocupar com um soldado que nem era japonês.
Juntei o pouco dinheiro que me restava e gastei tudo em vinho do porto. Saí com uma sacola de papel abarrotada do armazém de bebidas que ficava perto do cais. Sentei-me na beira deste, os pés balançando, enquanto eu abria a primeira garrafa.
Pra variar, era um dia frio na Marselha. Meu nariz estava entupido de novo. Por algum milagre, poucas nuvens estavam no céu, e o sol era visível em sua totalidade. Estiquei minha cabeça em direção a ele, na esperança de receber algum calor. Para isso, era mais efetivo beber o vinho.
Lá pela terceira garrafa, o Sol começou a se por. Passei algum tempo olhando para ele é só consegui pensar em Nagasaki, na iminência da destruição nuclear, no Rosemberg que nunca mais iria voltar.
Joguei a garrafa vazia no mar e prossegui observando o sol se por.
"Ver o por do sol é coisa de desempregado", pensei.
"Talvez o armazém de bebidas esteja contratando".
Por Reed Lou.
Uau, eu jamais pensei que leria sobre Nagasaki nesse tema da semana, mas UAU.
ResponderExcluirEstou muito impactada com seu texto. Amei demais. Criativo, bem escrito e gostoso de ler. Quero mais.
ResponderExcluirI'M SHOOK! a unica coisa ruim desse texto é o fato dele acabar. E uma coisa que teria sido INCRÍVEL seria uma comparação com o fogo da bomba e o fogo do céu, demonstrando a devastação que ambos trouxeram ao personagem. (Reed vamos tirar essa história do campo das ideias por favor)
ResponderExcluirdaria um belo livro! parabéns!
ResponderExcluirEU AMEI!! Foi uma crônica muito inteligente. Fugiu totalmente do clichê! parabéns!
ResponderExcluirachei inteligente por ter falado sobre Nagasaki em um tema sobre pôr do sol! estou em choque!
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