Família é uma coisa engraçada, né? Pelo menos a minha. Mas nem sempre no bom sentido da palavra. Meu tio, por exemplo, é empresário, casado e tem dois filhos lindos, o Henrique e a Helena: a família Margarina Albuquerque. Minha mãe, ao contrário, não tem nada disso, é empregada doméstica, divorciada e com quatro filhos para criar sozinha: a família Albuquerque.
Sempre fui a mais estudiosa dos meus irmãos, mas o meu tio sempre faz questão de me lembrar que pobre não devia pensar em faculdade, isso seria perda de tempo porque a gente precisa de dinheiro e, uma hora ou outra, teria que trancar a matrícula. Só que também faz questão de humilhar meus irmãos falando que eles não têm nada por não serem esforçados e interessados o suficiente. Não sei se meu cérebro é limitado, mas não consigo entender essa contradição.
Estudei semana passada no colégio que a igreja sempre foi um dos principais meios do conservadorismo e do preconceito contra culturas e ideologias que não fossem as pregadas por ela. Aí ontem, a mulher do meu tio comentou com a minha avó que João, meu irmão mais novo, está se desvirtuando, tem voz fina e anda com as meninas descomungadas da rua de trás. O desgosto da família. Por isso a família Albuquerque não dá certo: uma estuda, mas quer demais, alguns trabalham e não conseguem estudar e o João, coitado, ateu e gay.
Hoje, antes de vim aqui te contar, parei, sentei no sofá da sala com a Mel, minha cadelinha, e tive um papo racional com ela sobre tudo isso que anda acontecendo. Conversamos e nos compreendemos. Queria sentar no sofá da sala e conversar com meus tios, explicar que o fato de eu sair de casa às seis horas da manhã para ir ao cursinho popular e ter interesse em ser jornalista, ainda me deixa atrás do Henrique e da Helena, pelo simples fato de eu ser pobre e eles não.
Depois, olhei para os meus livros e me dei conta de que, mesmo eu não tendo a família Margarina Albuquerque, nós cinco éramos mais, nós queríamos mais, e queríamos, principalmente, ser diferente deles. Eu tenho uma família rica e só descobri hoje.
Por Emma Alfie.
A proposta do dialogismo é construir um diálogo que nos faça refletir. Não teve um diálogo apresentado, mas, ao menos, me fez refletir! Ficou emocionante o final! Parabéns
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