sexta-feira, 13 de abril de 2018

Inércia

Sempre fui muito crítica em relação a questões sociais. No meu mundo perfeito, não haveria desigualdade, todos teriam a mesma oportunidade de sonhar e ser o que quiserem.

A fase adulta chegou junto com os problemas que ela traz. A pessoa que pensava no bem do mundo começou a se preocupar mais com suas questões pessoais. Aos poucos, fui me importando menos e menos. Talvez, seja uma defesa diante do momento de regresso que estamos vivendo, ou uma descrença no ser humano, não sei.

Fui invadida por desejos de ter um emprego legal, estabilidade financeira, poder viajar regularmente, estar num relacionamento bacana, enfim, tudo o que a sociedade cobra da gente. Isso tudo já é problemático pelo simples motivo de nunca nos deixar satisfeitos com o momento presente. Mas a pior consequência foi ter me afastado da luta mais ativa por meus ideais.

Começaram os comentários sobre um possível impeachment da nossa primeira presidenta. Não levei a sério, não acreditei, até ser surpreendida num domingo antidemocrático. Fiquei indignada, enojada, sim. Mas, nem assim, voltei a ser o que era antes. No fundo, sabia que o que tirava meu sono eram outras coisas.

Aproximadamente, dois anos depois, após um período de crise que vivi, ainda tentando me recuperar e ver sentido na vida, sou mais uma vez surpreendida: “Mataram a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, do PSOL, defensora dos Direitos Humanos”, me contaram numa quarta-feira à noite. Antes de dormir, fui ler uma matéria, atrás de mais informações. A primeira coisa que vi foi seu nome “Marielle Franco”: “Conheço ela”, pensei. A segunda, foi sua foto. Nesse momento, não mais vi o assassinato de uma defensora dos Direitos Humanos, mas o de uma mulher, de uma mulher negra.

Senti um impacto, porém não chegou perto da reação de colegas que compartilham das mesmas ideologias que eu. Deveria ter sentido mais? Com certeza. Era claramente um crime político, a tentativa de calar uma voz. Uma voz que ecoava tudo o que eu acredito. Deveria ter sangrado por dentro, mas não sangrei. Fiquei triste e incomodada, mas não fui às ruas, não gritei, não lutei. O crime político me chocou menos do que a perda de uma vida, dessa forma brutal, me chocou menos do que imaginar a dor de sua mãe, irmã, filha, companheira.

Menos de um mês depois, após tanto tentarem, é efetuada a prisão do ex-presidente Lula, em segunda instância, desrespeitando a lei. Não houve crime comprovado. Houve ódio a um presidente, que não foi santo (ninguém é), mas que ajudou sim muitas pessoas mais humildes. Houve ódio de classe. Houve ódio à igualdade de direitos. O Brasil e o mundo pararam para acompanhar o fato, ao vivo. Eu não parei.

É um ato antidemocrático após o outro. Temo pelos rumos do meu país. Temo pelo resultado das eleições que se aproximam. Temo pela possibilidade de não haver eleições. Mas permaneço inerte, e a angústia pelas não realizações pessoais ainda me tiram mais o sono do que o futuro do meu país. Tenho medo de que quando acordar já seja tarde demais.

Por Kunta Boyd.

3 comentários:

  1. Quanta honestidade em um só texto. Parabéns Kunta, eu adorei e posso até dizer que me identifico, e muito.

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  2. Texto objeto e que exprimiu um sentimanto profundo, principalmente em relação a você e não só ao país. Parabéns!
    * salientando apenas ao cliché (sangrando por dentro), apesar de não ter atrapalhado em nada seu texto.

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  3. Acredito que muitas pessoas se sentem assim com tudo o que tem acontecido, infelizmente, no nosso país. Vamos à luta pra fazer a diferença!! Texto simples, direto e muito bem construído.

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