sexta-feira, 13 de abril de 2018

Salve o amanhã

O ano é 2060. Sou casado a 33 anos e tenho dois filhos lindos. Um deles tem 26. Já está casado e tem um filho de 2 anos. O outro tem 20 anos, ou melhor, teria. A verdade é que eu o guardo apenas em meu coração. Ele se foi aos 18 anos, enquanto lutava nas ruas por liberdade e igualdade.

Nossa realidade é difícil. Vivemos em um país onde questionar é crime. Liberdade de expressão? Eu nem sei se podemos falar essa palavra em voz alta por aqui. O pior de tudo é que eu, ainda jovem, em meio as tantas contradições, eu sempre preferi acreditar que nada é insanável. Possuía a mais verdadeira esperança de que os meus filhos e netos só saberiam o que é ditadura e corrupção por meio das aulas e dos livros de História. Engano meu.

Me lembro bem de quando foi eleita a primeira presidente mulher no Brasil. Lembro dos tempos de operação Lava Jato. Lembro do impeachment, sem base legal, que ocorreu com essa mesma presidente. Mas, o fato que mais me chamou atenção foi em 2018. Eu tinha apenas 17 anos quando vi o ex-presidente Lula ser preso. Muitos viram tal acontecimento como um fato histórico. Já eu, achei histórico o Lula ter sido preso e o Temer, Aécio e Renan Calheiros não. Nunca acreditei que a soltura do Lula resolveria o problema. Presumia que tal fato só pode ser resolvido com a generalização da justiça para todos os brasileiros ricos e poderosos.

Agora, em novembro de 2060, completa uma década de ditadura. Estou em total desespero. As torturas só aumentam e eu me sinto cada vez mais ameaçado e injustiçado desde que perdi meu filho em um protesto organizado por alguns jovens que vão de encontro a esse regime político autoritário. Aquele menino de 17 anos crédulo em uma sociedade igualitária morreu ali, no instante em que eu vi meu filho sangrando nos braços de minha esposa, que chorava desconsoladamente.

Agora, com os salários amolgados e uma distância adimensional entre as classes baixa e alta, decepcionado e incrédulo, sigo vivendo, ou melhor, sobrevivendo, numa falsa ilusão de milagre econômico.

Gostaria de terminar essa carta a vocês, brasileiros de 2018, implorando para que nessas eleições pensem bem em quem irão votar. Essa reflexão vai fazer toda a diferença, não só para mim, que talvez terei meu filho de volta, mas para você e muitos outros que tiveram a sua vida arrancada pelo Estado.

Sentimento de culpa é o que sinto. Eu poderia ter lutado mais, me importado mais, exigido mais. Mas ainda há esperança. A esperança é você.

Por Andréa Melo. 

6 comentários:

  1. Eu estou chocada. Isso foi muito maravilhoso, perdi até as palavras!!!! Que ideia genial, que escrita, que visão. Simplesmente o meu favorito.

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  2. Cara, muito bom!seu texto futurista e ao mesmo tempo super atual trouxe uma reflexão e proximidade única. Goste muito do sexto parágrafo, apelo pelo voto consciente junto a possível "volta" do filho. Demais!!!

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  3. Amei a criatividade. Texto mt bem pensado, que te prende na história e termina de maneira brilhante. Adorei.

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