sexta-feira, 20 de abril de 2018

OÃSUFNOC A E ALEUNAM

Eu tenho alergia a manipulação. Comece a falar com tom infantil para mim ou em um tom explicativo e já posso sentir a minha pressão subir. Meu sistema nervoso é acionado e eu tenho que trabalhar duro para me certificar que estou segura e preciso me acalmar. Faço isso porque não quero reagir e passar nervoso. Porém há algum tempo, o rivotril foi meu acompanhante nas noites de muita confusão.

Eu esperava ser xingada de esquerdista, comunista, defensora de bandidos e mil outras coisas. Porém, o resultado foi pior. Ao ver quais eram as opiniões de pessoas de meu círculo sobre algumas questões que eu não concordava, era inundada com monólogos cheios de confusões embutidas em relação aos fatos e argumentos. Mas para minha surpresa, em nenhum desses “sermões” me atacar era a intenção. O que eles queriam era, na verdade, me convencer, e não compreender.

Manuela, a personificação de meus melhores amigos, as vezes conversava comigo sobre a política de cotas raciais. Lembro-me de uma vez em que ela concordou que a educação pública no Brasil não era boa, mas afirmou que os negros não mereciam o “privilégio” de terem cotas pois, todos são capazes de entrarem na faculdade, era só se dedicarem. Acho que ela esqueceu o que aconteceu com toda a comunidade negra depois de 1888, ou até reconheça isso, mas pense que a inserção dos negros na sociedade já é questão superada.

- “Não Aurora, até por que se hoje o racismo é com brancos também, as oportunidades já são iguais” disse Manuela um dia

- “Onde guardei meu rivotril da última vez? Preciso dele agora” disse eu logo em seguida

Eu falava para ela que não era bem assim, mostrava pesquisas de vários países, dados socioeconômicos do Brasil e muito mais. Porém ela, se não insistia naquele discurso meritocrata e falho, mudava o foco da conversa, ou pior, fazia eu me sentir errada por não ter a mesma opinião, já que fomos criadas juntas.

A partir desse dia percebi que essa conversa não seria mais a mesma. Até porque eu não dava margem para os joguinhos mentais de Manuela. O que restava entre nós agora, era minha tentativa de mostrar a realidade para ela, e como resposta seu silêncio e desinteresse.

Mas o que me deixa triste e intrigada, é que minha confusa Manuela não é única. Vocês também possuem uma Manuela, que possui uma Manuela, que possui uma Manuela, que possui uma Manuela...

Por AURORA MUNDS.

3 comentários:

  1. Lindíssima, escreveu tudo! Acabei de ter uma discussão desse tipo e eu sinto a mesma coisa. Tem hora que simplesmente não dá, não dá vontade de argumentar e quando vc consegue parece que não surte efeito na pessoa. É a coisa mais desgastante emocionalmente é frustrante, isso estressa demais, dá um nó no estômago...
    Enfim, perdoa o desabafo, é que gostei muito da sua crônica mesmo, sua escrita é ótima!

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  2. Atendeu a proposta muito bem! Texto gostoso de ler. Sua forma de escrever me prende. Gostei da originalidade do título. Parabéns!

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