quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Separação Inesperada

 A época da escola é sempre poço de memórias inusitadas. 

Lembro de retornar às aulas após as férias de Julho, na verdade, estava uma semana atrasado, porque por algum motivo esqueci quando era a data de retorno. Ao chegar na aula, como de costume sentei do lado de quem irei chamar aqui de Amigo 1. 


Um silêncio….

Pensei, “será fiz algo de errado e não notei?”  


Porém, o Amigo 1 tinha esse  péssimo hábito de ficar mais silencioso e ignorar todo mundo do nada. Eramos amigos há anos, mas nunca gostei disso nele. 


Logo após o Amigo 2 chegou.


Outro silêncio...


Mas dessa vez foi pior, entre eles era quase mortal, estranho… 

Foi assim por alguns dias, os dois calados um com o outro e eu alheio a situação. Não adiantaria perguntar ao Amigo 1, então fui direto no Amigo 2. O pior é que nem ele sabia o que estava acontecendo, porém, era certo que o problema era com ele, então,  no meio de uma das aulas começamos a pensar…

Resumindo, acreditávamos que o motivo era, o Amigo 1 gostava de uma pessoa que tinha interesse no Amigo 2, mas não havia nada sério entre essa pessoa e o 2, absolutamente nada, talvez no máximo uma troca de mensagens. Era até difícil de acreditar, o 1 ia acabar com amizades de anos por algo assim. No fim, apoiei o Amigo 2, além de ser meu melhor amigo, o 1 ainda tinha jogado para mim as suas frustrações banais.


“Vocês pararam de se falar mesmo?” era o que os colegas de turma, conhecidos e até os professores perguntavam. A fofoca foi bem rápida.

Tempo depois descobrimos que o Amigo 2 conseguiu namorar com essa pessoa que tanto queria, mas não deu certo e terminaram. No fim ficou sem namoro e sem amizades.


É engraçado lembrar do plot twist que aconteceu após o afastamento do Amigo 1, toda a turma se tornou amigável comigo e com o Amigo 2, sendo que sempre achamos que éramos odiados pelas brigas constantes na turma e por sermos bem explosivos. Mas o problema para eles pelo jeito era com o Amigo 1. Talvez o afastamento não tenha sido tão ruim assim.

Bem, seria interessante saber a versão de algum colega de turma, ou até do Amigo 1, mas é impossível. Essa história vai ter que ser contada com base nas minhas memórias, e quem sabe pelas do Amigo 2.


                                                                                        O Pica-Pau Biruta


Memória de Hospital

 Que notícia difícil de ser processada. Ninguém está preparado para se submeter a mais uma cirurgia, embora já fosse esperado. Para deixar vocês por dentro da história, essa seria a minha quinta cirurgia, tendo somente 13 anos. As primeiras cirurgias começaram antes do meu primeiro ano de vida.

O clima era de tensão dentro do consultório. Mas, enfim, não é essa parte da história que eu quero contar para vocês. A tensão mesmo estava na semana da cirurgia. Tive alguns meses de preparo fazendo exames, mas não foi tempo suficiente para me preparar psicologicamente.

No dia da cirurgia, meu tio nos levou ao hospital. Ele é muito sensível, então lembro de conseguir ver pelo retrovisor os olhos dele cheios de lágrimas. Meus pais seguiam intactos (pelo menos por fora). Ao chegarmos no hospital, descobrimos que não seria possível realizar a cirurgia naquele dia, pois estavam sem vaga no quarto. Fomos orientados a voltar dois dias depois.

Um dia antes, recebemos uma ligação do meu médico dizendo que não seria possível realizar a cirurgia no dia seguinte, porque o anestesista não conseguiria estar. Confesso que toda essa espera, por mais que parecesse um alívio uns dias a mais sem cirurgia, para mim não era. Só queria que tudo passasse logo. Acho que os meus pais pensavam da mesma forma.

Finalmente, o dia da cirurgia chegou, e dessa vez não foi alarme falso. Por incrível que pareça, nesse dia eu estava preparada, sem nervosismo, sem pressão. Antes de entrar, lembro de abraçar os meus pais, mas não foi um abraço de despedida. Todos tentavam parecer fortes, independente do medo. Depois disso, já não posso mais falar por mim, pois estava sob efeito da anestesia. Por fim, correu tudo certo.


                                                                                                               Jane Austen

Alfinete

 Durante o primeiro ou segundo ano do ensino médio, resolvi participar de atividades extras da escola e uma delas foi o teatro. Fiz algumas sketches, estava gostando bastante, fiz novas amizades, me entreguei de verdade e poder fazer isso com a minha amiga foi melhor ainda. Eu estudava à tarde, mas participava das montagens e ensaios de manhã e aos sábados por volta de 8:00 horas (que aconteciam com frequência na verdade), esse foi um dos momentos em que mais me senti dedicada pra algo. Tinha dias em que eu ficava pensando que tava doida de fazer aquilo sendo que poderia estar dormindo, mas hoje não me arrependo nem um pouco, tive experiências que guardo comigo até hoje.

Bom, nossas apresentações eram boas e sempre tinham um público considerável. Então fomos convidados pra nos apresentar em um evento na praça da cidade, teve aquela mistura de medo com ansiedade e empolgação. Reunimos todo mundo, e fomos para o local. Chegando lá eu fiquei nervosa demais, mas subi no palco mesmo assim, todas aquelas pessoas olhando pra minha cara e eu rindo por fora e chorando de nervoso por dentro. Mas eu fui mesmo assim, estava ali mesmo assim.

Tenho a impressão de que errei algumas falas, improvisar era legal, mas nem sempre dava certo. Tinha uma luz batendo no meu rosto que me distraí a cada 2 minutos mais ou menos (certeza que alguém percebeu a personagens que estava com os olhos meio cerrados tentando enxergar o outro personagem que estava do outro lado do palco). Meu figurino tinha sido feito sob medida, mas a saia que ficou um pouco grande, insistia em deslizar e ameaçava cair de vez em algo, graças ao pequeno alfinete que alguém colocou (não me lembro quem me ajudou nessa hora) ficou tudo tranquilo durante a apresentação.

Fiquei impressionada em como eu segurei a barra e as coisas foram fluindo, quando me dei conta tudo já tinha terminado e estávamos agradecendo ao público. Acho que o que fechou aquele dia com chave de ouro foi o fato de termos que trocar de roupa dentro do carro de uma das pessoas da equipe da apresentação, um por um, foi emocionante.

Bem, pelo menos é o que me lembro.


                                                                                                          Gato de Chita

Uma data eternizada

 Deitada em sua cama ela fechou os olhos, e de repente… estava lá.

Aquele dia depois de um ano de expectativa chegou o momento de sua festa de 15 anos,

data tão especial, seu momento de princesa.

Ela olhava e via várias pessoas especiais, ouvia a música que tanto demorou para escolher

tocar ao fundo, chegava a hora de cumprimentar e aproveitar a sua festa.

Lembrou de quando estava preparando a coreografia para dançar com suas amigas.

Foi um grande sufoco!

Como foi divertido dançar naquele terraço mesmo com todas as dúvidas de quais músicas

escolher e desafios para ensaiar com a distância durante a semana. Lembrou também que

esse foi um dos melhores momentos com suas melhores amigas e sua prima dançando e se

divertindo como gostam de fazer.

Lembrou de ter que em um dos ensaios dias de ensaio caiu no choro por não está

aprendendo.

Lembrou de se sentir muito feliz de sua avó poder estar lá e bem naquele momento após

sua recente cirurgia.

Lembrou das homenagens que recebeu, as cestas com chocolate e a música que lhe foi

dedicada ,se sentiu muito amada por suas amigas de longa data, sua prima e suas amigas

mais antigas .

Lembrou também da valsa com seus avôs e lembra também de seu tio ficar cheio de

vergonha por ser surpreendido naquele momento e com a valsa maluca com o seu pai que

errou quase tudo e agora é uma das melhores lembranças desse dia.

Foram tantos momentos que ficaram eternizados pensando e relembrando mais momentos

que ela adormeceu com seus pensamentos.


                                                                                                      Sol e Luz

fragmentos

 as risadas no fundo

os olhares vigilantes, cortantes

os passos contados no piso

as mãos que tocam meu rosto

as vozes que dizem muito

o choro que escoa quieto

o sol viajando no céu

a lua cortando o escuro

as luzes da cidade dormindo

os sonhos que morrem lento

os sentimentos que morrem na garganta

sua pele contra a minha

em 12 pequenos versos

narrou-se uma vida

o tempo escorre lentamente pelas horas

incontáveis, intocáveis, impenetráveis

memórias sem lembranças

fragmentos de mim

pedaços do que juro, fui

que flutuam por um vácuo infinito das coisas que me juram: eu disse

e nunca mais se fizeram presentes

no imaginário do que tento ser

com o pouco do que restou de mim

estão cacos de tempos que não lembro

de espaços em que juro, estive

mas histórias que minha mente jura

nunca vivi

nos dias embaralhados que se passaram

meses que se fundiram em minutos

me perdi no breu da minha mente, no jeito que ela tocava minha mão

e aqui, sinto muito, até no tema me perdi.

efeitos colaterais da depressão. os fragmentos que me tornei sem querer. não há testemunha para uma mente cega. e assim como eu, não há lembrança que queira mais viver em mim.


                                                                                                                 Filha de Oyá

Não foi culpa do trabalho de geografia

 É impressionante como o ser humano tem a capacidade de destruir coisas que ama por motivos tão bobos. E eu quase destruí a amizade com meus melhores amigos em meio a um trabalho de geografia. 


2016 foi um ano estressante. Se já não bastasse toda a inconstância política que assolava o Brasil, em minha esfera pessoal ele também foi péssimo. Eu estava muito estressada e decidi fazer o que faço de melhor: descontar toda a minha fúria nos trabalhos do colégio. 

Eu só queria que aquele trabalho fosse perfeito. O tema era legal, a gente tinha tempo suficiente e uma turma de 30 cabeças pensantes, cada um com sua função. O problema é que só eu parecia me esforçar, eu que tinha as ideias, eu que dizia "gente, temos que fazer o trabalho", eu que escrevia o roteiro. E foi em um dia qualquer de aula no colégio que tudo aconteceu. Eu tinha decidido passar o recreio todo com uma amiga, resolvendo algumas questões do trabalho. O tempo estava passando rápido e precisávamos fazer aquilo logo. Só que, apesar de termos nos isolado dos outros, alguns amigos vieram conversar com a gente sobre assuntos aleatórios, atrapalhando totalmente o que estávamos fazendo. Foi tudo muito rápido. Eu queria que eles saíssem, eles não entendiam o problema, eu disse que estava tentando fazer o trabalho, que também era deles, por sinal e que eles estavam jogando tudo em cima de mim e eu não aguentava mais porque todo trabalho era a mesma coisa, tudo sempre sobrava pra mim e talvez em algum momento a discussão tenha sido levada pro pessoal porque a gente começou uma briga feia e todo mundo estava olhando pra gente assustado e até a menina que estava comigo fazendo o trabalho se voltou contra mim e eu estava sozinha e a aula seguinte começou. Depois disso, apesar de eu ter tentado pedir desculpas, nós simplesmente paramos de nos falar. Nunca conversamos sobre o que estava acontecendo, mas não fazíamos mais trabalhos juntos, não passávamos o intervalo juntos e fomos nos afastando, afastando... Até que, quando o fundamental acabou, a amizade foi junto.


Alguns anos depois, antes que concluíssemos o ensino médio, nosso grupo se uniu de novo e agora está mais forte do que nunca. Hoje eu penso que já tínhamos mil coisas guardadas e uma amizade já desgastada que explodiu naquele dia. Quando tocamos no assunto, ficou claro que cada um de nós têm ideias totalmente diferentes sobre o que destruiu nosso relacionamento naquele ano. Mas de uma coisa eu tenho certeza: não foi culpa do trabalho de geografia.


                                                                                            Mulher do fim do mundo


Idealizar é viver

 Costumo esquecer as coisas.

Acho que já faz parte de mim. Não lembro de muitos acontecimentos da minha vida, principalmente os traumáticos, que eu sei que ocorreram, mas minha mente insiste em apagar todos os detalhes. Normalmente, quando quero relembrar algo do ensino fundamental, por exemplo, recorro a uma amiga, que guarda muitas das minhas memórias dessa época. É um exercício curioso, porque ela sempre lembra de coisas que eu apago completamente do consciente (como a vez que um professor de educação física me carregou nas costas dele).

Ao pensar em momentos notáveis e “antigos”, me lembrei de um. Em 2015 (sim, aparentemente eu só escrevo sobre esse ano), no meio do caos que estava sendo a escola, um trabalho de feira de ciências se tornou um acalanto pra mim. Já tinha me apresentado no colégio e na feira municipal, levando o primeiro lugar com o grupo composto pelas minhas duas melhores amigas, quando uma nova proposta viria para me animar durante os próximos meses do ano: ir pra feira estadual.

Aquela ideia me encantava, e ouso dizer que virou um sonho, um objetivo, o qual eu nem sabia que poderia ter. Olhando de onde estou, percebo, foi o propósito que eu precisava um um contexto tão conturbado. Pude, por algum tempo, me sentir importante para a instituição (onde eu me sentia constantemente incapaz), até porque ninguém nunca tinha ido nesse evento representar a escola.

Me recordo de uma tarde depois das aulas estar com o professor de ciências, na biblioteca que também era sala de vídeo, formulando os textos e preparando a inscrição na feira. A partir disso, passei a destinar meu foco a idealizar o momento da esperada “aprovação”. Lembro de ler uma lista em que o meu grupo não estava, pensar que não tínhamos conseguido, e depois achar o nosso nome em outra. Lembro também, de pessoalmente dar a notícia para minha amiga, na rua de casa, enquanto descia as escadas. Por fim, conseguimos ir para a capital do estado apresentar o nosso trabalho.

Foi uma experiência alegre, mas não sei até que ponto cada detalhe aconteceu ou imaginei a partir das minhas idealizações criadas. E vou além: não tenho certeza de que foi plenamente feliz para mim no momento. Definitivamente, é muito mais fácil julgar de forma positiva um período quando ele já faz parte do passado.


                                                                                                   Estela Lia

Táxi&Pizza

 Essa história foi em 2017, era novembro, eu acho. 


Nossa escola nos levou para fazer o vestibular seriado de uma faculdade em outra cidade. Fomos avisados que não encontraram hotel e que ficaríamos em um colégio de lá, mas mal sabíamos o que nos esperava… Alunos do ensino médio inteiro, uma centena de colchões espalhados por todos os cantos da escola, algumas baratas e chuveiro gelado as 7 da manhã pra ir fazer prova, uma verdadeira bagunça.


Fizemos o primeiro dia da prova e disseram que poderíamos ir pro shopping. Eu e alguns amigos, cansados, resolvemos voltar pro colégio e pedir algo pra comer por lá mesmo. Nos dividimos em dois grupos para pedir o uber. Demoramos demais, o carro dos nossos amigos já ia embora e o ônibus que levaria os outros alunos para o shopping também estava de saída. Algo tinha que dar errado, óbvio, não conseguimos pedir um carro…  As únicas opções que sobraram eram pegar um táxi (muito mais caro) ou ir pro shopping. Optamos pela segunda opção e saímos correndo atrás do ônibus que já estava saindo, enquanto a diretora, com a cabeça pra fora da janela, gritava conosco dizendo que iria nos deixar para trás.


Ainda correndo, vi um dos meus companheiros parar e gritar que ficaríamos ali mesmo. Foi aí que o ônibus acelerou e realmente nos deixaram lá. Eu e minhas amigas olhamos confusas para aquele que havia gritado besteira e nos perguntamos “e agora?”. Nos restou apenas o táxi. A primeira discussão foi quem iria sentado no banco da frente, e claramente sobrou para o único homem do grupo. O carro saiu, tomou seu rumo pela faixa exclusiva de ônibus e em altíssima velocidade, passamos pelo uber de nossos amigos engarrafados no trânsito, enquanto trocávamos mensagens no celular rindo deles.


Acabou que chegamos todos juntos ao colégio. Nos ajeitamos para pedir algo e demos de cara com uma promoção de 6 pizzas por 88 reais. Estávamos em muitos, então fizemos o pedido e saímos para trocar nosso dinheiro. No caminho de volta, chuva. Por pouco não ficamos encharcados. 


Todos mortos de fome, horas se passaram e nada das pizzas chegarem. Quando chegaram, foi aquela confusão para separar o dinheiro de todo mundo. Depois, sentamos ali no chão da quadra mesmo, no escuro, comendo e rindo até altas horas da noite, como se não tivesse outra prova para fazer na manhã seguinte…


Foi um final de semana bom. Éramos felizes aos 15 anos de idade e não sabíamos. 


                                                                                                 A Garota da Echarpe Verde




Folia e euforia

 Era dia de folia. De folia. Diga espelho meu se havia na avenida alguém mais feliz que eu? E mais apertada? Que vontade de fazer xixi. Na alegria da barca, todos fantasiados, apito para todo lado, copo cheio e coração vazio, distraída e feliz o suficiente para não pensar em ir ao banheiro. Saímos da barca e o caminho até o bloco ficou tão longo, cada vez mais apertada para fazer xixi.

Erradamente no carnaval rua vira banheiro, mas ainda não tinha bebido o suficiente para convencer meu psicológico disso. Avisei aos meus amigos e começamos uma busca por um banheiro. No caminho encontrei um banheiro químico que estou me perguntando até agora como aquela gringa conseguiu usá-lo. Continuei a busca para o alívio tão esperado.

De repente... PARE! Não era dia de folia? Uma confusão, uma gritaria, pessoas se empurrando e querendo brigar. Pessoas se envolvendo para separar a briga e acabavam entrando na briga também. Ficamos olhando, tentando entender e nos manter longe. Fiquei distraída o suficiente de novo para não lembrar do xixi. Dessa vez uma distração ruim, para que brigar no carnaval? É carnaval! Muita gente olhando e filmando, pensei que poderia ter alguém para acabar com aquela confusão e nesse momento a minha defesa de não ser essa pessoa a vontade voltou.

Felizmente a briga se dissolveu, que alívio! Alívio? Quase que me alivio da forma errada. Precisava de um banheiro.

Avistei uma lanchonete e foi à única solução. Eram japoneses, tive que pagar dois reais, mas naquele momento eu pagaria até dez pelo meu alívio. Fiz xixi e que aliv... nossa, que cheiro foi aquele? Deram uma cagada no banheiro ao lado que foi impossível me sentir aliviada. Isso que dá pagar banheiro no carnaval.


                                                                                                          Nakia Okoye

Um relato cirúrgico

 Acordou. Não com o despertador, ou com um compromisso, apenas seguiu o que seu

corpo lhe mandou. A visão ainda estava embaçada e sua mente ainda estava despertando,

até que se espreguiçou, e veio a dor. Era uma dor que já sentia a dias, e que percebia que a

cada dia aumentava, mas sua família lhe dizia que era apenas muscular, então não tinha

procurado um médico. Mas naquele dia ela estava muito maior e se alastrou por todo o

corpo, deixando-a imóvel.

Com muita luta se levantou, trocou de roupa e desceu as escadas, sua família estava reunida

no andar de baixo, o pai, a madrasta e seu irmão mais novo, era mais um dia normal, pelo

menos até o momento.

A próxima coisa que se lembra é de estar deitada no banco de trás do carro, de

bruços, já que não conseguia nem se sentar mais, e o carro estava vazio. Ela sabia onde

estava, no hospital da cidade, esperando seu pai que foi adiantar os documentos de sua

consulta, para que ela não ficasse em pé por muito tempo. Depois disso ela se lembra de

estar em um quarto de hospital, seu pai fez questão de deixá-la num quarto isolado, com

cama e ar condicionado. Deitada, recebeu a informação de que tinha um cisto pilonidal e

que iria direto para a cirurgia removê-lo, e ele mudaria muita coisa de sua vida.

Você deve estar pensando: “Mas todo esse drama só por um cisto?” Acalme-se,

leitor, ele é só o início da história.

Seu pai parecia calmo, dava alguns sorrisos, fazia brincadeiras e a tranquilizava. E

ficou no quarto quando ela foi levada para o local que faria a cirurgia. Olhou pra cima, não

conseguia se mexer muito sem sentir dor, apenas viu as luzes passarem rápido e as portas

abrindo e fechando, depois viu alguns enfermeiros, sentiu algumas agulhadas, pensou em

como seria a cirurgia, e acordou. Abriu novamente os olhos e não sabia aonde estava, nem

quando seria a operação, até um enfermeiro perceber seu despertar e avisa-lá que tudo já

tinha sido feito e que ela iria voltar para o quarto. Mais uma vez luzes passando, portas

abrindo, mas seu caminho se encerrou em frente a seu pai, que estava novamente tranquilo,

sorrindo.


Para não nos estendermos, vou adiantar uns dias na nossa história, se quiser

pode incluir algum efeito de time-lapse dos filmes que você gostar.

Já faziam duas semanas de sua cirurgia, ela estava na casa de sua avó todo esse

tempo, estava voltando a ir à escola e estava sendo bem cuidada. Poucas vezes ela recebia

visitas de sua família, outras poucas vezes de seus amigos, mas não se importava, sabia que

estavam ocupados. Era quase como se ela sempre estivesse naquela casa, parte de seus

pertences estavam lá e já tinha até uma certa rotina. Na hora do almoço, sua avó chegou

com uma notícia: ela não voltaria para sua casa, a partir daquele dia ela agora morava ali, e

iria reformar um quarto para se estabelecer.


Devo contextualiza-lo, querido leitor, que ela já planejava sair de casa, mas a ideia

era se mudar para outra cidade. A partir dali, tudo fluiu naturalmente, mas será que para

todos foi natural? Deixo aqui o questionamento para que seja respondido pelos outros

personagens e encerro o relato, guardando esta página para a posterioridade.


                                                                                 Cigana Oblíqua Dissimulada

Camisa Branca

 Era um dia ensolarado, e eu como grande amante e colecionador de camisas de futebol, tinha achado um anúncio muito interessante. Uma camisa branca, antiga, do meu time de coração. Só tinha um porém, a distância. Eu moro em Niterói, a anunciante em Botafogo. Como não poderia deixar passar essa oportunidade, juntei todo o dinheiro que tinha guardado, juntei notas e moedas, muitas moedas, buscando até na mochila aquelas perdidas para inteirar no valor.


 Para não ir sozinho, chamei um amigo, que também coleciona camisas de futebol. O plano era simples, eu pegaria o ônibus para o Rio no ponto perto da minha casa, ele entraria no perto da casa dele e íamos. Porém, não foi assim que aconteceu. Já no ponto, o ônibus desejado estava passando e eu entrei, a passagem custava por volta de R$ 8,00, comecei a mandar mensagem para o meu amigo, avisando que estava no ônibus, mas ele não me respondia. Quando estava chegando no ponto dele, ele me liga e fala que estava na rua de casa. Nesse momento, tinha que tomar uma decisão, seguia no ônibus e ia sozinho, ou saía e gastava mais uma passagem. Como ele estava fazendo esse esforço por mim, resolvi sair.

 Passamos no Burger King e compramos um lanche, no sol quente, esperamos meia hora até chegar o próximo ônibus. Quando chegou, entramos e fomos até a Central do Brasil. Fizemos a baldeação e fomos para Botafogo, seguindo o Moovit, app de transporte público, pois não sabia muito bem o endereço do anunciante. Saímos um ponto antes e fomos andando até encontrar com o senhor que vendeu a camisa para mim. Quando nos encontramos, ali mesmo na calçada, conversamos um pouco e fomos aos negócios. Assim que ele me mostrou a camisa peguei o dinheiro, algo em torno de R$ 250,00, mas de repente apareceu um pedinte. O senhor que vendia a camisa já o conhecia, pois ele ficava na vizinhança, logo conseguiu fazer com que ele fosse embora. Contei as notas e puxei as moedas, meu amigo se impressionou, por que não é comum no meio do colecionismo pagar com moedas, mas era o único dinheiro que tinha, fazer o quê?

Depois de finalizar a compra decidimos dar um rolé. Passamos em uma lanchonete e comemos um salgado, partimos para a praia e como fazia muito calor, nada como se refrescar com uma lata de Brahma gelada. Curtimos um pouco e pegamos o ônibus de volta para casa. Fizemos o caminho inverso e chegamos em Niterói, eu com minha camisa branca e sem nenhum centavo e meu amigo com uma boa história.

                                                                                                            Lucas Ribamar

Psilosomething

 Amsterdam é palco de um debate quente entre progressistas, defensores das liberdades que a cidade oferece, e conservadores reclamando que o lugar virou palco de um tal “turismo psicodélico”.

Sem querer ofender os conservadores, mas era exatamente isso que a gente foi fazer lá. Eu e meu primo compramos cogumelos. 

Não em um beco escuro ou nada disso, numa lojinha especializada, veio embaladinho que nem Fandangos, selo da Anvisa de lá e tudo mais. 

Resolvemos entrar num parque para comer, achamos um banco e dividimos, e como o efeito não é imediato, marcamos um tempo. Foi nessa hora que chegou uma senhora com dois cachorros na nossa frente, um pequeno, que não saía do lado da dona por nada; e um grande, todo agitado que não parava de explorar o ambiente. No meio de alguma conversa sem pé nem cabeça, decidimos que os dois cachorros eram uma metáfora que nos representava, eu era o maior, observando tudo em volta e doido para sair do banco inicial, ele era o pequeno, introspectivo, se fechando num casulo que, francamente, só ele poderia explicar.

Sei que em dado momento levantei e fui bater perna, para fazer jus ao meu animal espiritual eu precisava explorar, então rodei pelo parque, que estava mais bonito do que eu lembrava, assim como o céu, tudo em HD. Passei por um jardim com uns arranjos florais lindos, por uma aula de yoga a céu aberto, assisti a uma briga de patos no laguinho, tudo era ao mesmo tempo banal e interessantíssimo.

Depois de andar por algum tempo reencontrei meu primo, recém saído de seu casulo, agora transformado no que eu chamaria de uma borboleta filosófica, tivemos debates geniais sobre águas vivas e a água do canal, até que decidimos nos despedir do parque e ir encarar a cidade.

E que bela era a cidade! A arquitetura, os cafés, os espaços abertos, museus que iam de Banksy ao queijo. O trânsito que misturava bondes, carros, ciclistas e bêbados, e que surpreendentemente funcionava. Nada estava fora de ordem e ao mesmo tempo tudo parecia mais bonito, como se eu olhasse para as coisas como quem vê um filme, desses cult francês, candidato ao Oscar em Fotografia.

A noite foi caindo e o efeito dissipando, jantamos em um restaurante aonde presenciamos uma cena horrenda: um senhor se levantou e vomitou a própria dentadura, apenas para pegá-la do chão vomitado e recolocá-la na boca. Terrível. Nojento. Escatológico.

Mas não pude deixar de notar que a iluminação e o enquadramento estavam impecáveis.


                                                                                                     Plínio Haroldo Cisne

O Dono Se Apaixonou Pela Minha Avó

 Eu devia ter uns sete anos. Minha família tinha marcado de ir para Campos do Jordão. Eu, meu primo e as mulheres da família chegamos no início da semana. Ficamos num hotel que tínhamos feito reserva para toda a família.

Do nada, minha memória da um pulo. A família toda se encontra em uma casa grande. Logo na entrada tinha uma escada de uns cinco degraus de pedras, com um jardim extenso, uma grama muito verde. Lembro que tinha uma roseira, confesso que recordo disso porque tenho fotos até hoje no meu celular. Essa casa ficava em frente ao tal hotel.

Ao entrar na casa, o piso era todo de madeira, havia uma lareira e dois sofás em frente. Me recordo apenas de dois quartos, mas sei que tinham mais. Um para meus pais, um que eu dormia com meu primo e minha avó e, provavelmente, um para meus dindos. A casa era cheia de desenhos, feito por mim e meu primo, colados na parede com um durex todo decorado com desenhos infantis. A lareira nunca era apagada e sempre saímos para comer e passear.

Eu amava o fondue de chocolate que vendia numa galeria colada a uma feirinha, eu o de morango e meu primo o de banana. Minha mãe, minha dinda e minha avó entravam em todas as lojas que viam na frente.

Uma das partes mais marcantes, era a hora de dormir. Eu e meu primo não conseguíamos ficar quietos e vivíamos acordando minha avó. Ela roncava muito e a gente achava engraçado, ficávamos ligando o abajur. Mas, com toda certeza do mundo, a parte que nunca irei esquecer, foi quando eu estava brincando com meu pai e ele sem querer me deu uma cotovelada na boca e meu primeiro dente caiu. Por causa disso, sempre fui a primeira pessoa do meu ciclo de amizade a usar e tirar o aparelho.

Engraçado... eu tenho um irmão e meu primo tem dois, e eu não consigo me lembrar deles na viagem. Mesmo vendo fotos e as pessoas contando, eles são invisíveis nas minhas lembranças da viagem.

Depois de um tempo, minha avó disse que fomos para aquela casa porque o dono do hotel tinha ficado apaixonado por ela e viu que a família era grande. A casa era dele, disse que podíamos ficar lá pelo preço das reservas. Eu nem sei a verdade do porquê fomos parar lá.

Nossa, isso faz uns 15 anos e eu ainda lembro do vento frio batendo no meu cabelo e do cheiro do chocolate quente e fondues de queijo. A memória é realmente algo fantástico.


                                                                                                            Rita Skeeter

 Já era tarde da noite, carro em alta velocidade, minha mãe e minha tia nervosas mas tentando me acalmar, quando de repente, chegamos. Não era em nenhum lugar que eu gostasse de ir, pelo contrário, era um hospital. 

Não lembro quanto tempo demorou, mas me lembro dos médicos em volta me examinando, me espetando com agulhas. Eu não estava calma.

Como poderia? Era apenas uma criança.

Não consegui entender quando não pude voltar para casa. O que estava acontecendo? Sei que estou sentindo muita dor, mas será preciso isso tudo?

Só queria voltar pra minha casa e brincar com os meus brinquedos.

Mas não, eu não voltei naquela noite. E nem no dia seguinte, e nem no seguinte.

Ficar internada em um hospital definitivamente não é algo reconfortante para uma criança de 5? 6?Bom, alguns anos.

Todos os dias eu pedia para ir embora e todos os dias eu recebia a mesma resposta “Assim que você estiver melhor você volta".

Mas quando eu ia melhorar? Será que em alguns dias? Não. Em algumas semanas? Infelizmente ainda não era o suficiente.

Será que eu nunca ia melhorar? As vezes eu ainda sentia dores, isso significaria que eu nunca mais ia poder ver meus amigos e brincar na pracinha de novo? Eu tentava pensar mais a fundo sobre isso, mas o quão profundo uma criança conseguiria ser? Eu não sei, a única coisa que eu sabia é que ficar ali me deixava triste e eu não queria ficar triste.

E então aconteceu, recebi alta. Depois de 2 meses presa em um hospital, tomando injeções e remédios todo dia, só podendo comer legumes ( e para uma criança, nenhuma injeção é pior do que ficar sem batata frita e chocolate), eu finalmente ia poder voltar para escola, ver os meus amigos e brincar com os meus brinquedos favoritos.

Mesmo após isso, eu ainda não entendia muito bem o que tinha acontecido comigo, mas naquele momento, essa era a minha última preocupação.


                                                                               Princesa Consuela B. Hammock

Em SUSpensão

Eu já usava o SUS antes de vir ao mundo e dar meu primeiro choro num ambiente desconhecido longe do ventre materno. A gravidez da minha mãe era de risco, então tinha que ter acompanhamento rigoroso por esses longos nove meses. Oito meses depois da minha chegada, ela foi fazer laqueadura em outra cidade. Alguns anos depois, me acidento colocando o pé na roda da bicicleta e vou pro hospital; sou consultada, faço raio-x, curativo e sou medicada. Aos 10 caio da escada e passo o dia de sábado inteiro em observação ocupando um leito hospitalar. Aos 14 tenho uma paralisia facial e corro pro hospital desesperada e aos prantos com medo de que nunca mais poder voltar a sorrir como antes. Aos 19 passo boa parte da minha terça de carnaval na UBS com alergia e dores no corpo que nunca senti nada parecido na vida (era pior que a dor do pós treino quando você começa a fazer academia). Minha caderneta de vacinação foi preenchida todos esses anos em postos públicos de saúde. O hemocentro que fui doar sangue faz parte do SUS. A comida estragada em estabelecimentos que nunca comi. A água podre que não tomo. Os medicamentos gratuitos que minha família pegou... De seus 32 anos de existência eu uso há 20. Mas minha mãe, meu pai, meus avós, meus tios... Todos eles usam há 32. Se não fosse por ele, talvez hoje eu e nem outros 70% da população brasileira que dependem exclusivamente desse sistema, estaríamos vivos hoje. Eu tenho várias experiências ruins com o SUS, mas a pior delas seria não ter mais ele!

Vivemos a era da suspensão do básico.


                                                                                                                   Mônica Magali

No dia que não antecedia

 Essa história é muito estranha, já fazem alguns anos que essa situação aconteceu. Estávamos

no aniversário de uma amiga e ela estava completando 15 anos naquela noite, nós tínhamos

uns 14, salvo engano. Lembro de como era bom nos reunirmos em festas de aniversário, a vida

era mais leve nessa fase e a felicidade se entranhava com muita facilidade. O céu noturno era

um jeans escurecido e a lua mais um botão claro da minha camisa bem passada. De qualquer

forma, vamos para o ponto complicado do que deveria ser só mais uma noite em que pré

adolescentes se divertem como se não houvesse amanhã. O problema foi esse. Talvez não haja

um amanhã.

Seguindo. Estávamos nos divertindo quando de repente surge uma ideia, nossa amiga sugere

que deveríamos comprar um energético. Para isso, eu e meu amigo Neymar (pseudônimo)

fomos até a casa da nossa amiga para buscar dinheiro, não ficava distante, uns 5 minutos de

caminhada. Chegamos lá e aguardamos alguns minutos até que ela voltasse com o dinheiro,

após isso, voltamos para o local da festa e compramos o energético em um comércio próximo,

até aí tudo bem. Algum tempo depois, eis que um amigo de infância do meu morro (convidado

e namorado dessa amiga em questão) sinalizou que gostaria de falar algo comigo. Caminhei

até ele e começamos a conversar:

- Cara, eu soube o que aconteceu.

- O que houve?

- O seu amigo, Neymar, ficou com a minha mina!

- Que ? Que porra é essa ?

- Papo reto, o cria acabou de passar por ali e me contou que ele estava ficando com ela ali na

outra rua, e você tava perto.

- Tá pancadão ? Que papo é esse cara.

- Mano, eu vou matar ele. Não fica na frente. Sapinho vai me emprestar a arma.

Nesse momento, ele me mostrou a arma na cintura do cara que iria emprestá-la, eu fiquei

completamente perturbado e desesperado, pensando no meu amigo que iria morrer por uma

mentira. A partir daí eu tentei convencê-lo da verdade, que o cara tinha inventado aquilo por

sei lá qual motivo.

- Tá maluco cara? Nós é cria porra, te conheço desde que eu nasci, você acha que eu faria isso

com você?

Esse diálogo durou muito tempo na minha cabeça, parecia um dia inteiro de discussão, na vida

real acredito que tenha durado pelo menos uns 30 minutos. Eu percebia que ele no fundo

acreditava, que sabia que eu não faria algo assim com ele, que éramos amigos de infância. Ao

mesmo tempo eu pensava no meu outro amigo, que era um cara super correto e que não

merecia passar por aquilo, pensei tanto na mãe dele, como se sentiria caso algo acontecesse

com o filho dela...


- Cara, é o seguinte. Se você não confia em mim, se pensa que eu te trairia dessa forma, me

mata. Eu não vou sair da frente, atire em nós dois.

Nesse momento, a minha amiga (namorada dele) começou a chorar muito, dizendo que ele

não cofiava nela e preferia confiar em bandido que estava colocando merda na cabeça dele.

Foi aí que ele começou a desistir da ideia, não sei se ele foi 100% convencido da verdade, mas

pelo menos o pior foi evitado. Éramos extremamente novos e essa situação foi completamente

fora da curva.

                                                                                                    Virgilio Expósito

Sem data

 O ano não sei qual era e também não tenho certeza do mês. Lembro só que era bem próximo do final do ano, tinham algumas poucas decorações natalinas começando aparecer pela cidade. 

Estávamos em muitos amigos, aquele parque tinha beleza por si só, mas tenho certeza que a sensação que eu sentia era ainda melhor por você ter topado ir.

Lembro que era um encontro por causa do aniversário da R.

Éramos muito novinhos, muito mesmo.

Não tenho certeza se já tínhamos dito tudo, se já tínhamos nos permitido sentir tudo, mas a “vibe” que estávamos compartilhando era incrível, batíamos na mesma frequência, exatamente tudo daquele dia nós concordamos, eu lembro. Foi incrível. Nós jogamos bola, todos juntos. Eu torci o pé várias vezes e não tenho muita certeza se a R. realmente marcou aquele gol ou não, eu não estava prestando muita atenção na partida naquele exato momento. Desviei o olhar quando encontrei com seu olhar em mim.

Lembro de darmos uma volta enorme no parque pra fugir um pouco da galera e ficarmos sós. A sapatilha (ridícula por sinal) que eu estava usando, machucou muito meu pé, bem na parte de trás. Você deu a ideia de sentarmos num toco de árvore e colocou um band-aid no meu machucado. Nem tenho certeza se aquele band-aid era meu ou se era um band-aid velho que por coincidência você tinha na bolsa. A dor passou quase que imediatamente, só por conta do seu cuidado. O band-aid na verdade não fez diferença nenhuma.

Algumas coisas são bem vagas daquele dia na minha memória, mas eu lembro de ter sido bem feliz. Era incrível te ver gargalhando por tudo.

Tentei muitas vezes me lembrar a data exata daquele dia, principalmente por essa ser uma das coisas que eu mais gosto de guardar. Sempre tive a mania boba de colecionar datas. Mas por alguma razão essa é uma lembrança sem data. Talvez uma estratégia da minha mente para fazer cumprir aquele clichezão “sem data para não virar passado.”.


                                                                                                                        Joana da Rua

Um aniversário diferente

 Me recordo perfeitamente de como tudo começou. Despretensiosamente, no meu aniversário de 15 anos, minha mãe me entregou o presente daquele ano.

Como de costume, o clássico envelope com dinheiro destinado a compra de algum livro ou uma roupa diferente no shopping da cidade.

Entretanto, senti que algo estava diferente naquela data. O material do envelope e a carta que o acompanhava me surpreenderam como nunca.

Na hora de abrir, a revelação memorável. O sonho começava a se concretizar.

Materializado em quatro ingressos para o show da minha então banda favorita, Maroon 5, já comecei a sentir a felicidade tomar conta de mim e aquela sensação genuína de euforia como uma criança que recebe um brinquedo novo.

Na agitação do momento, nem conseguia acreditar. Ainda faltavam 6 meses até a data prevista para o show, mas já sentia o frio na barriga e a ansiedade em mim.

Após meses - que pessoalmente pareciam anos - de expectativas e muita animação, saímos cedo de casa para chegar até o Rio de Janeiro, local privilegiado pela rotina cultural agitada se comparada com a vida pacata e tradicional de minha cidade.

Em família, escutávamos todos os álbuns do Maroon 5 na longa viagem até o destino final como se fosse a trilha sonora do nosso enredo pessoal. Aliás, se essa vida fosse um filme, não tenho dúvidas que no meu futuro casamento teria um show particular do Adam Levine cantando Sugar em modo repetição, além de Sunday Morning nas cenas de dias chuvosos quando as gotículas se chocam com a grande vidraça da sala.

Mas voltando ao grande dia, enfim estávamos na fila do evento e meu corpo estava a mil por hora. Não havia energético ou café que conseguiriam colocar os corpos dos meus pais em sintonia com o meu. Era de fato uma grande realização pessoal e ninguém iria estragar o meu momento.

Ao gritar as letras das músicas, eu me sentia um integrante da banda ao redor daquelas 100 mil pessoas que pareciam estar sintonizadas pelas canções.

Guardo com muito saudosismo todos os momentos daquele dia. É incrível o poder de renovação e a sensação de estar vivendo intensamente a vida que a música me traz. Em cada play no meu Spotify, consigo reviver detalhes desse dia mágico que eu nunca me esquecerei.


                                                                                                                  Tofu Frito

A formatura e a festa que terminou mal

 Era uma sexta-feira a noite. Estava pronto e arrumado para a festa de formatura do meu ensino médio. Minha mãe me levaria até o ponto de encontro onde partiríamos de van para o local do evento, um centro de conferências no centro da cidade que foi alugado pelo meu colégio para aquela noite. Estranho foi que até uma ou duas semanas antes eu nem ia nela. Não estava animado. Contudo, no final acabei mudando de ideia e fui. A festa era com aqueles temas clássicos de festa de formatura. Todos vestidos de roupa social, terno e gravata e suas diversas variações possíveis.

Acho que tinham umas dez pessoas naquela van. Alguns que eu tinha pouco contato e só me aproximei mais no terceiro ano, outros já eram amigos mais antigos e alguns eu mal trocava palavras. O transporte quem conseguiu foi um desses amigos que me aproximei no terceiro ano. Era um vizinho dele que iria levar e buscar a gente.

Bem, não foi exatamente assim que aconteceu.

A parte da festa em si foi pouco interessante. Um porque eu não sou a pessoa mais festeira do mundo e segundo porque eu lembro de pouca coisa. O final vai te interessar muito mais. O dia raiou e teve até uma espécie de café da manhã na saída. Eu, que já era um velho de espírito naquela época, estava absolutamente esgotado, cansado e meus pés doíam. Não via a hora de sentar no banco da van e ir dormindo até o final do trajeto.

Já começando pelo fato de que na hora marcada só deveriam ter duas pessoas na van. O restante ainda estava espalhado pela festa, alguns bêbados, outros ajudando os bêbados e outros simplesmente perdidos mesmo. Quando finalmente reunimos todos, apareceram dois amigos de um cara que estava com a gente na van, pedindo carona. Depois de muita discussão ele foi, entrou, mas não parou quieto nem por um instante. Perturbando todo mundo.

Na hora de sair, ninguém sabia o caminho correto. Um dos presentes na van tentava ajudar o motorista e guia-lo, enquanto o “penetra”, bastante alcoolizado diga-se de passagem, só atrapalhava. Até que em certo momento o que estava ajudando não se segurou e foi pra cima do chato. A van parou, os dois desceram e começaram a trocar socos e pontapés no meio do centro da cidade do Rio de Janeiro. Alguns tentavam apartar a briga, outros foram se meter nela. Minha única reação foi segurar um amigo para não se meter. Falo pra ele até hoje que achei que ele fosse me bater.

O bêbado acabou ficando por ali mesmo e seguimos viagem até o ponto final. O problema foi que nesse bafafá a van sofreu alguns problemas. O rapaz que era amigo do penetra disse que era para o dono do transporte liga-lo, que ele pagaria o conserto e quaisquer problemas. No final das contas todos ficaram em lugares separados e eu fui o único que desci no lugar estabelecido. De lá fui para minha casa. E assim terminou uma noite que terminou de dia, com um final dos mais bizarros possíveis e uma formatura que a princípio eu nem iria acabou ficando na memória.


                                                                                                                        Péricles

Portão automático

 Era mais uma noite de verão. Ou será que era outono? Primavera? Inverno? Não consigo lembrar, de qualquer forma, não tem muita importância pois estávamos sempre juntos independente das estações. Essas noites eram muito aguardadas, passávamos a semana toda estudando e quando chegava na sexta-feira, a expectativa aumentava para nos reunirmos no nosso lugarzinho preferido, o prédio em que crescemos juntos. Na época não existia Whatsapp ou todos esses aplicativos. Era ainda o início do Facebook. Orkut e MSN bombando. Mas o mais engraçado é que nessa época a gente ainda ligava um para o outro para combinar o horário dos encontros.

Anoitecia e aos poucos cada um de vocês ia chegando. Nos reuníamos perto do portão automático pois era um cantinho mais aconchegante e longe das janelas dos vizinhos. Era também um local estratégico, hoje penso o quanto era friamente calculado. Muitos risos e brincadeiras rolando noite adentro. Vários núcleos de conversa se formavam e de repente éramos bruscamente interrompidos pelo momento mais aguardado da noite: meu tio chegando de carro no meio da madrugada e ativando o portão automático barulhento para o nosso desespero e alegria. Esse era o nosso momento catártico de gritar de susto e externar todas as emoções e angústias acumulados durante a semana. Enquanto gritávamos, saíamos correndo com as cadeiras e tudo que estivesse no caminho do carro. Feito isto, era então o momento de relaxar o corpo e chorar de rir. Meu tio saía do carro rindo e falando com todo mundo. Ele também se divertia com esses acontecimentos.

Hoje só consigo lembrar o quanto a gente se divertia com muito pouco. Não que ainda não seja assim, mas agora temos uma pandemia nos afastando dos nossos encontros, que já não eram tão regulares como antes pois todo mundo trabalha e estuda, ainda assim é maravilhoso poder lembrar que compartilhei tudo isso com vocês. Eu não poderia querer amigos mais maravilhosos. Não vejo a hora dessa vacina chegar para reencenarmos estes momentos. Amo vocês!


                                                                                                        Incenso de Baunilha

Música para o meu coração, amor para os meus ouvidos

 Nossa relação musical iniciou junto com nossa história. Muitas músicas sempre nos rodearam, músicas que iam de Mc Livinho a Pearl Jam em questão de segundos. Muitas vezes, como moscas, era insuportável, eu sei, a minha insistência em ouvir Red Hot, que ele me apresentara. Eu sempre amei o estilo que conhecer e saber tocar instrumentos trazia para ele, um ar de conhecimento único.

Ele sabia que eu sempre senti algo por ele, mas talvez sua timidez e minha vergonha não deixavam isso se resolver com tanta rapidez, mas valeu a pena esperar. Deitados na cama depois de mais um rolê caseiro regado a Balalaika e Arctic Monkeys, ele me deu um lado do seu fone: “So if you’re lonely, you know I’m here waiting for you” e ele sabia que eu estava. Eu sempre estive, eu sempre o esperei. Nunca esqueci dessa música que ele me apresentou e que virou tema da nossa relação. Dividimos uma cama, aproximamos nossos corpos, ativamos as borboletas do nosso estômago e compartilhamos a experiência do nosso primeiro beijo, como casal e como pessoas. Talvez a diferença entre esses dois conceitos resultou no nosso fim, mas isso não vem ao caso agora.

Eu só sei que foi mais que uma sensação de conquista, mas de prazer, no significado mais puro da palavra. Um beijo estranho, mas como não seria? Sem experiência, nervosos, mas na mesma sintonia. Driblar nossos medos e inseguranças talvez tenha sido uma das partes mais punks do momento, mas fizemos com maestria. Nosso beijo tinha amplitudes, graves e agudos que nenhuma outra experiência na vida me dera.

E meu amor etéreo se consolidou, tipo um disco, se bem que é um exemplo ultrapassado para o nosso amor moderno. O que veio depois foi história, foram aquelas músicas de karaokê que todo mundo está cansado de ouvir. De qualquer forma, tenho que agradecê-lo por ter contribuído, e muito, para a escolha do meu álbum favorito, e não me refiro às nossas fotos e playlists. Mesmo nessa carreira solo que se tornou minha vida eu sabia que desde o começo, desde o primeiro beijo ele já me mostrava que não me deixaria só, e por vezes mencionava com o olhar “I’m with you”.


                                                                                                                  Michael Scarn

Como se diz "adeus" em inglês?

 Era noite de lua cheia, copo cheio e coração vazio. Eu estava cercado de pessoas, mas meu lamento era nenhuma delas ser você. A festa estava linda. Daquelas em que as pessoas saem e do lado de fora comentam o quão impecável era cada detalhe: dos docinhos com sabor de infância ao vestido da debutante. Enquanto a aniversariante conheceria tradicionalmente "traços de mulher", eu daria início ao meu ciclo no álcool. Duas horas após o fim daquele namoro surgiria um novo eu.

51: não era só o nome da bebida, mas o número de vezes que a ingeri para esquecer pelo menos aquela pinta maravilhosa que ela tem na parte inferior da coxa esquerda. Em um dado momento aleatório da noite, um amigo rindo me indagou: está pensando nela? Minha boca, já torta de bebida, disse não. Enquanto meus olhos marejados de sono e tristeza diziam sim.

Como uma criança tentando andar em linha reta saí daquela festa. No meio do caminho parei em frente a casa da razão das minhas lágrimas. Quase me engasguei ao tentar respirar fundo para parecer sóbrio. De repente, surpresa. Uma mão tocou em meu ombro direito. Era ela. Vestida de vermelho. Cor do diabo, cor do amor, cor daquele batom que até borrado a deixava mais atraente que o normal. Minha cegueira era tanta que não reparei sua presença na mesma festa que eu durante todo o tempo que lá fiquei.

Nervoso, bêbado e envergonhado. Nem grego, nem latim, nem português, não conseguia dizer nada. Ela, por sua vez, sabendo do meu péssimo inglês desde o início do nosso não mais namoro, começou a desabafar neste idioma, era o início de mais uma briga, a última. Juro que não entendi nada até ela traduzir. Cada palavra pesava uma tonelada. No fim da tradução ela disse um forte e inesquecível "adeus". Um adeus que eu não ouvi, que eu não entendi, que eu não sei como escreve até hoje. Mas que significou e mudou muito a minha vida. Forever.


                                                                                                          Formiga Atômica

Escola Nova

     Alguns anos atrás, eu estava tendo o pior ano da minha vida. Descobri da forma difícil o que era depressão, o que era a dor de perder alguém, o como a ansiedade podia te paralisar e interromper toda sua vida. E eu sabia que precisava ter algo bom, começar de novo de alguma forma, então decidi trocar de escola.

    Para mim, essa troca tinha todos atrativos possíveis: eu conhecia pessoas naquela escola que eu sabia que seriam convivência melhor para mim que na antiga, e o melhor era que minha melhor amiga também iria para lá. Nós estávamos em séries diferentes a algum tempo, mas eu sentia falta de estudar com ela, ou pelo menos na mesma escola.

    A mudança fez parecer que eu era outra pessoa em outra vida. Se antes eu andava com as mesmas duas pessoas porque não conseguia manter uma amizade com ninguém no colégio antigo, no novo a turma parecia ser um grupo de amigos só, que me incluíram logo na primeira semana, me chamando para sair e me tratando como se eu sempre tivesse estado ali.

   Minha lembrança daqueles dias é cheia de risadas, um ambiente onde eu finalmente me sentia confortável, a animação de um possível interesse romântico de forma que eu nunca havia sentido antes.

Até hoje, mesmo sabendo de todas as intrigas e mesmo depois de todas as decepções do meu ensino médio, ainda penso naqueles dias com carinho, ainda lembro daqueles dias como os melhores da minha vida e me pego presa em uma nostalgia e vontade de voltar a ser a minha versão de dezesseis anos.

                                                                                                                        

                                                                                                               Lizzy Bennet

Bienvenidos a America

     O estadunidense é um ser burro, burro mesmo! Eu já vi gente falando “Ah! Mas eles não são burros burros mesmo...são só arrogantes, aí ficam parecendo burros”. Eu discordo, eles são burros burros mesmo pra caralho. Um período curto no país deles ratifica essa burrice na prática e vivência.

    Na minha primeira e única visita à terra do Tio Sam, esse episódio, especificamente, se passou em Fort Lauderdale no sul da Flórida, a mais ou menos 40 minutos de Miami pra dar uma situada melhor.

    Longe da luxuosa The Strip, bem menos que a de Las Vegas, ficam vários galpões numa espécie de cais. Em um desses galpões fica um daqueles lugares de esportes diferentões cheios de camas elásticas, luta de cotonetões (não sei o nome disso mas deu pra visualizar o que é), queimado em piscina de bolinhas...Irado, né? O tipo de lugar que não tem como não ficar feliz, certo?

    ERRADO!

    Um estadunidense burro é capaz de deixar até o Garibaldo da Vila Sésamo emputecido. Esse estadunidense, em particular, trabalhava lá. DO NADA ele virou pra mim e pra minha amiga (esqueci de falar antes que tava com uma amiga e a família dela lá) e falou, em inglês:

-Vocês não são daqui, né? 

- Não, chegamos ontem. - Ela falou com toda a educação do mundo, que eu não tinha saco pra ter enquanto esperava pra me jogar numa piscina de espuma.

- Ah legal! Vocês vieram de onde?

- Do Rio! - ela continuou com a animação que só um brasileiro teria falando do país pra gringo.

- Rio? No Brasil? - Ele fez uma cara meio confusa e eu já dei uma estranhada.

- Sim, no Brasil.- Eu respondi com a mesma sutileza de uma mula.

Aí o moço me lança com o sotaque mais porco do mundo:

- Uau Brasil! BIENVENIDOS A AMERICA!

- Bem-vindos. 

- O quê? Bienvenidos! - Insistiu

- Bem-vindos - reforcei- Em português...

Até aí tudo bem mas ele veio totalmente indignado:

- Português? Mas vocês são do Brasil!

Eu olhei pro lado e vi minha amiga escondendo o riso com aquela cara de “fudeu”.Não explodi mas era a minha vontade. Continuei com um sorrisinho amarelo mais passivo-agressivo possível:

- No Brasil se fala português. Eu nem sei falar espanhol.

Como se não fosse suficiente, o estadunidense burro teve a pachorra de persistir na burrice:

-Ué? Mas o Brasil é latino! Latinos falam espanhol.

De cair o cu da bunda, né? Daí eu segui:

- No Brasil se fala português, não espanhol.

Devo ter feito uma cara tão feia que ele murchou com uma risadinha sem graça:

-É...acho que eu preciso estudar mais.

-É...precisa.- Encerrei com um último coice.

Depois dessa merda até perdi a vontade de entrar na piscina e fiquei  de cara emburrada o resto do passeio.

Resumindo: Nunca duvida da burrice burrice mesmo de um estadunidense, ela pode te surpreender, definitivamente, pra pior.

       
                                                                                                                Glen Coco

Aulas de história, e suas histórias

 Eu duvido da índole de quem nunca aprontou na escola. Como aprender que roubar é errado, sem nunca ter pegado na malandragem um lápis de cor faber-castell do amigo? Como aprender a não levantar falso testemunho, sem nunca ter feito merda e colocado a culpa no colega? Como aprender a respeitar os mais velhos sem nunca ter mandado aquela professora insuportável pra... Nárnia? Bem, em minha defesa, fiz esses três, e muito mais. Inclusive, aprendi o truque de escrever meu nome em todos os meus materiais pra não cair na de alguém mais esperto que eu.

Uma traquinagem em especial tenho nítida na memória até hoje. Era quinta feira de manhã, um dos integrantes da gangue do fundão me aparece com uma fotografia que, descrever como obscena, seria no mínimo desonesto, era indecente, imoral, daquelas retiradas da revista que o pai esconde da mãe, sabem?

Nós olhamos pra cara uns dos outros, e o sentimento foi mútuo: “Essa vai ser nossa maior vigarice”. No intervalo das aulas, inserimos o artefato dentro do diário da querida Elenir, a professora de história mais fofa do mundo, que parecia ensinar o que havia presenciado, de tanta idade que tinha nas costas.

Aqueles 5 minutos de intervalo foram como os minutos finais de uma dinamite, adrenalina subia, todos alucinados esperando a hora da bomba explodir, e explodiu. 

Acho que pela falta de costume, com a foto e com o conteúdo, à primeira vista parecia um macaco tentando ler hebraico, não entendia o que estava ali, e como havia ido parar dentro do seu diário.

A ficha que havia sido posto por algum dos alunos ia caindo, enquanto ela protagonizava o maior sermão da história, com ofensas que iam desde “vagabundos” até “filho de chocadeira”. Nisso, notei que havia deixado um rastro na execução da delinquência. um pequeno detalhe na cena do crime, que, se percebido, denunciaria o criminoso.

Uma caneta preta, levada no impulso, acabou indo parar ao lado do diário, caneta marcada com as iniciais do delinquente. Era meu fim, quando notei, a adrenalina chegou no seu pico, mãos trêmulas, suor escorria da testa, o que era comédia se tornou tragédia. Diante disso, analisei minhas possibilidades, eram 3: Assumir o delito, torcer para que passasse despercebido, ou dizer que as iniciais C.P. eram de algum Cara de Pau, não de Pescoço.

Porém, antes mesmo que alguma decisão fosse tomada, brada Elenir:

– Eu não quero saber quem foi! Vou punir a turma toda!

Foi uma mistura de alívio e indignação. Como poderia uma professora de história, tendo estudado a convenção de Genebra, que no artigo 33, colocou a punição coletiva como crime de guerra, aplicar uma pena tão generalizada assim?

Talvez nunca saberemos, assim como eu nunca saberei porque não assumi a responsabilidade. O que de fato sabemos é que a memória é seletiva e aleatória, e a escola ensina para muito além do que está nos livros.


                                                                                                             Cara de Pescoço

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Especial, extraordinária...E sozinha

 Essa crônica não tem nada de especial ou extraordinário, apesar de a personagem em questão se achar especial e de eu achá-la extraordinária. Fato é que essa história poderia acontecer com qualquer um. Tanto que aconteceu com ela.


Ela sempre foi diferente da maioria. Ao contrário dos seus amigos, não estava a procura de ume namorade ou algo do tipo. Estava bem sendo solteira e, desde que não estivesse solitária, realmente gostava de toda essa "liberdade". Também não era do tipo que queria viver a vida toda sozinha, sempre almejou o amor romântico/sexual. Só achava que isso tinha que vir naturalmente, conhecer alguém e ter o desejo mútuo e espontâneo de construir algo junto. Se não acontecer é porque não é pra acontecer. Pensava muito em como a sociedade capitalista-patriarcal-monossexual-cishetero-monogâmica impunha a necessidade de procurarmos alguém para casar - principalmente sobre as mulheres. Nunca julgou quem pensasse diferente, só não funcionava para ela.


Até que um dia, de fato conheceu alguém. Nunca teria imaginado que aquela pessoa, que apareceu tão de repente, poderia mexer tanto com ela. E juntos, eles construíram em pouco tempo uma relação bonita, gostosa, divertida e saudável, cheia de potencial. Só que ela estava bem sozinha. E quando ele falou sobre terem algo sério, ela se desesperou. Então ele, pacientemente, esperou. Mas todo mundo já os considerava um casal, inclusive eles mesmos. Estavam felizes e o relacionamento fazia bem para ambos. Porém, quando o pedido de namoro chegou, ela negou. Na verdade, nem ela sabia direito porque tinha negado. Começou a perceber que estava bem sozinha, mas também estava bem com ele. *Queria* estar com ele. E, chegando a essa conclusão, decidiu estar com ele de fato. Só que já era tarde. O mundo não esperaria seu tempo e ele já tinha esperado demais.


E então ela, que gostava tanto de estar sozinha, assim terminou.


Sozinha.


                                                                                                      A Mulher do Fim do Mundo


Insaciável

 Em outra crônica minha aqui nesse site, também tangenciei a dupla ação e reação, quanta falta de criatividade! Mas talvez por isso se chame “lei universal”, porque se aplica em vários contextos. Nosso corpo, por exemplo, é biologicamente projetado inspirado nesse par, sendo assim, quando nos exercitamos, meditamos ou mesmo trocamos carinho com outra pessoa, a reação mesocorticolímbica é positiva, e nosso cérebro libera dopamina, o neurotransmissor da felicidade. 

O problema é que nosso cérebro não se acostumou a ser recompensado a longo prazo, e, assim como na física, a reação precisa ser instantânea. Com isso, ficamos como aqueles border collies, de joelhos apenas esperando para comer o biscoitinho. 

Mas e depois do biscoitinho, o que fica? 

Farelos? Vontade de quero mais? Arrependimentos? 

Talvez, um, talvez os três, o que não fica é a sensação de saciedade. 

Segundo o dicionário, saciedade é o estado de uma pessoa em satisfação completa, ou seja, precisa atingir a plenitude, trazer satisfação em todas as instâncias. Voltando à biologia, o corpo humano, para avisar a saciedade estomacal, utiliza-se do hormônio da leptina. Mas e quanto às outras áreas? Como saber se já estamos satisfeitos de amor? Ou se não vamos querer repetir o afeto? Vai mais uma dose de tesão aí? 

Em outras palavras, o(a) Biscoitinho, por mais gostoso e bem embalado que seja, não chegará nem perto de te saciar. 

Talvez nosso corpo não tenha gatilhos para avisar as demais saciedades, justamente pelo fato do limite para amor, afeto e tesão, por exemplo, simplesmente não existir. Só o infinito é capaz de preencher esses espaços. Ainda assim, insistimos em trocar o(a) Infinito, por um efêmero biscoitinho. 

Aquilo que é finito, termina em farelos.


                                                                                Cara de Pescoço