sexta-feira, 9 de outubro de 2020

E nem venha me dizer que isso é vitimismo, não bota a culpa em mim pra encobrir o teu ra-cis-mo.

 A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. A cada 23 minutos uma

mãe preta chora.

O Mapa da Violência de 2016 mostra que 42.291 pessoas foram vítimas de homicídio

no Brasil em 2014. E aí, 70,5% são negras (considerando pretos e pardos). E aí do total

de assassinatos, 59,7% foram de jovens entre 15 e 29 anos. Depois dessa “revelação”, as

redes sociais inflamaram, na repercussão do caso João Pedro, o dado de que um jovem

negro é morto no Brasil a cada 23 minutos em média.

A cada 23 minutos. Até você terminar de ler e comentar todas as crônicas, supondo que

você fará isso em 30 minutos, mais uma mãe preta estará chorando. E ai quando você

acabar dali a 23 minutos um jovem negro que, assim como você, tem sonhos, planos e

traumas, não vai sonhar mais. A cada 23 minutos, quantos jovens pretos são mortos em

um dia no Brasil?

E aí vou te convidar a fazer um comparativo: você sabe o que é necropolítica? E como

se aplica a segurança pública no Brasil?

Necropolítica é um conceito desenvolvido pelo filósofo negro, historiador, teórico e

político e professor universitário camaronense Achille Mbembe que, em 2003, escreveu

um ensaio questionando os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve

viver e quem deve morrer.

A pesquisadora negra Rosane Borges já se propôs a nos explicar como o conceito de

necropolítica se relaciona com o racismo, como é criada a ideia da eliminação de um

inimigo e as favelas. E aí que ela nos revelou que discutir necropolítica e segurança

pública brasileira é entender que os lugares subalternizados com licença para matar

“têm endereço e densidade negra”.

A necropolítica é a política da morte adaptada pelo Estado. Não é um caso isolado, ela é

a regra. Temos hoje um Estado que adota a política da morte, o uso ILEGÍTIMO da

força, o extermínio, a política de inimizade. Tá dividido entre amigo e INIMIGO. Um

Estado escasso no serviço de inteligência, de combate à criminalidade e eficiente no

combate à negros e negras.


Sabe o que é que nós temos? A perseguição daquele considerado perigoso. E AÍ que eu

te convido a refletir: quais são as semelhanças do crime cometido contra a mulher negra

no dia 30 de maio desse ano, que teve o pescoço pisado por um policial, e do George

Floyd que foi assassinado no dia 25 de maio com o pescoço pisado por um policial? E o

que difere a COMOÇÃO sobre os casos?

E aí que eu estou falando com você. Não me interessa se você é branco, não me

interessa se você é preto, não me interessa se você não se considera racista. E aí que isso

tem a ver com você sim. Existe uma política de morte no próprio Estado em que você

vive e não fazer nada/falar nada contra isso não vale de nada.

Me alonguei nessa crônica.

Me alonguei porque nesse momento não me interessa os pontos da disciplina, não me

interessa se você, assim como eu, tem várias outras coisas para fazer. O que me

interessa é você entender que ser antirracista não pode ser uma moda momentânea. Se

você não entender isso você não entendeu nada. É uma luta séria. Infelizmente é uma

caminhada muito longa E AÍ que a gente precisa de você nessa caminhada.


                                                                                                            Nakia Okoye

11 comentários:

  1. Que texto bom, Nakia. Pertinente demais. Não entendi muito a parte "E aí vou te convidar a fazer um comparativo", pq não vi muito o que comparar. Acho q isso cairia melhor na parte em que coloca "E AÍ que eu te convido a refletir". Mas parabéns, assunto super pertinente.

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    1. A proposta do comparativo era sobre necropolítica e segurança pública brasileira. Comparar as duas coisas e entender o que tem de semelhante (infelizmente), feliz seria se fosse para vermos o que tinha de divergente entre as duas coisas.

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  2. Já diria Flora Matos: "Se você não liga, não entendeu nada!"

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  3. Tem tudo que eu, particularmente, procuro numa crônica, informação, reflexão, cultura e delicadeza. Parabéns!

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  4. Caraca, Nakia!
    Sem condições, que texto necessário. Fiquei tão presa ao texto e as escolhas da narrativa que não desviei a atenção nem por um segundo.
    Parabéns pela escrita e por cada escolha dos argumentos.

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  5. Gostei da escolha da narrativa e da forma como conseguiu aproximar ainda mais o leitor do problema em questão, ótimo texto!!

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  6. Que texto incrível. Gostei muito da abordagem e dos argumentos utilizados, parabéns!

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  7. Texto importante e pesado mas muito necessário!

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  8. Reflexão extremamente necessária e urgente. Você fez o alerta muito bem, usando das referências e associando fatos recentes, parabéns.

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  9. Gostei da forma como agiu de maneira proposital, isso mostra que não tem medo de errar. Além, claro, do assunto ser super necessário. Parabéns.

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  10. Adorei o texto, muito necessário e reflexivo! Gostei de como você dialoga com o leitor ao longo do texto e da parte em que usa de exemplo o nosso tempo gasto para ler as crônicas. Parabéns!

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