quinta-feira, 1 de outubro de 2020

UM ENSAIO SOBRE VIOLÊNCIA

 Violência. Existe justificativa pra violência? Existe justificativa pro que te corrói o peito, que te

dói em todo canto, que te enforca na parede? Existe justificativa pro que te ameaça, te paralisa,

te diminui, te preenche todo pequeno espaço do corpo de medo? Existe um motivo? Um

palavra errada, uma vírgula fora do lugar, um espaço grande demais, um tom de voz

desajustado? Existe justificativa pra violência? O mundo diz sempre que sim.

Eu tenho estado fora de mim, da órbita que um dia circulei, das minhas risadas tão

costumeiras, dos pensamentos bons que um dia me fizeram ser. Eu não tenho encontrado

saída das dores que sentem o meu corpo, das tempestades que lembram minha alma, dos

cantos escuros onde vivem essas parte de mim que ainda restam. Por violência me perdi. Por

violência fragmentei. E por anos de violência, violência me tornei. Violência tão crescente que

sinto os dedos no meu pescoço, que sinto as palavras gritadas, os olhares de desaprovação,

os choros agarrados, o medo no peito, o ódio nos meus dedos que seguraram a faca.

Abandono tão presente que sinto me abandonar de mim. Falta tão insistente que sinto o mundo

sempre me faltando. Desamparo tão profundo que nunca deu pé. E violência. palavra que soa

tão bonita que há um tempo é uma das minhas preferidas. Há uns anos é o que mais se vê

presente na minha vida. Vinda de mim ou vinda de quem me gerou e jurou me proteger. Pai.

palavra que soa tão perdida que há um tempo eu não a digo. Há uns anos é o que se vê menos

presente na minha vida. Duas palavras que se guardam em ambientes tão distantes na minha

mente e ainda assim se veem tão juntas nas lembranças que lembram meus olhos.

Desde criança, todos os dia me pergunto quais são as justificativas pra violência. Dou

justificativa pra violência. O que falaria minha avó pra me confortar quando eu lhe contasse

sobre todas as noites ruins? Como justificaria a minha tia quando soubesse que as mãos dele

encostaram em mim? Minha imaginação não alcança surpresa nos olhares ou desconforto nas

mãos, eu consigo ver as explicações, eu consigo ouvir as vozes dizendo que a violência vinda

dele é natural. Que um dia já foi pior. Que um dia foi mais presente. Que um dia vai ser melhor.

Que depois de tanto tempo não deveria mais doer (mas só dói em mim, como elas iriam saber).

Que foi uma falha. O problema, é que eu não acho que violência seja falha, mãe. Eu acho que

falha é não ir no meu teatro na escola, é não gostar da minha música preferida, é nunca chegar

na hora que eu marquei. Não a não presença, não a busca incansável por uma filha que não

existe, não a escolha de negligenciar quem eu sou e dizer quem eu não posso ser, não me

dizer com socos e gritos pertinentes, que ecoam em tudo que vive em mim, quem eu devo ou

não amar. Não a presença só quando há violência.

Por anos eu escuto de todos os lados dentro da minha imaginação as vozes que dizem o que

eu devo sentir diante desse tanto de coisa que só eu vivi mas, aqui nesse emaranhado de

palavras soltas neste texto, onde me sinto segura, quero declarar a você que me lê, que eu

cansei. Eu cansei de te ouvir dentro da minha cabeça dizendo o quão pequena eu sou. De me

sentir tão pequena diante de ti, pai. Não há justificativa pra violência. Nunca fui filha do meu

pai. Sou filha de Oyá porquê de todos os cantos tempestuosos que existi antes o mundo me

violentou e ela me ensinou que não há justificativas pra violência.


                                                                                                    Filha de Oyá

26 comentários:

  1. texto pesado e com final surpreendente. Conseguiu passar a aflição para o texto.

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  2. A violência paterna é tão assustadora e sufocante, quem já passou sabe... Parabéns por conseguir encontrar palavras para descrever tão bem os seus sentimentos e reflexões acerca do ocorrido.

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  3. Sinto muito pelo o que você passou! É muito triste ver vários casos de violência ou descaso paterno. Mas num país em que 5 milhões de crianças não tem o pai na certidão de nascimento isso não deveria me surpreender! Gostei muito da sua escrita misturando tipos textuais escrevendo uma carta mas com frases rimadas como poesia. Essa mistura transpareceu sua dor de forma bastante visceral, parabéns!

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  4. Violência e ausência paterna são tópicos tão comuns e ainda assim tão difíceis de serem discutidos, mas gostei da forma como você abordou o tema, acho que a repetição de "violência" realmente ajuda a passar as emoções que você pretendia além de que você fez uma boa descrição dos sentimentos de depressão e ansiedade causados por isso.

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  5. Sua escrita é linda! Parabéns por conseguir expressar tudo o isso, todos esses sentimentos com tanta firmeza e clareza. Sinto muito pelo que você passou!

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  6. Que pedrada. Te desejo toda força do mundo. Talvez ter separado em parágrafos pudesse ter facilitado a leitura. Mas não acho que deveria ter sido facilitada, a falta de uma pausa pra respirar se misturou com a aflição que o texto foi me passando. Foi uma leitura pesada e muito necessária, parabéns.

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  7. Texto difícil de ser lido, mas importante.
    Na parte gramatical, senti falta de mais cuidado com concordâncias, plural e etc. Só ter um pouco mais de cuidado.
    Parabéns pela sua resiliência e trajetória. Só você sabe da sua força e tenho certeza que saberá encontrá-la e externá-la.

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    1. Oi, obrigada pela crítica e pelo comentário! Eu realmente achei erros de concordância lendo o texto algumas vezes mas não encontrei a falta de plurais, você poderia indicar?

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    2. "vivem essas parte de mim", linha 9, acho que foi digitação mesmo. Só queria ressaltar que a parte do "texto difícil de ser lido" é porque é pesadíssimo, mas amei o texto de uma maneira geral.

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    3. aah, agora vi! muito obrigada. vou tentar tomar mais cuidado da próxima vez <3

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  8. O texto é intenso e sua escrita é muito boa, mas acho que a formatação do texto atrapalha um pouco a leitura por estar tudo muito junto. Sinto muito pelo o que você passou...

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    1. Sim :( Eu não sei o que houve, ele na verdade estava separado em 3 parágrafos quando enviei mas na formatação do site ficou assim. Vou tentar dar mais espaço entre os parágrafos da próxima vez pra ver se melhora.

      Muito obrigada pelo retorno e por gostar do texto!

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  9. Que texto pesado. Ao longo da leitura fui levada para o campo da abstração e depois senti meus pés bem firmes quando você falou sobre seu pai. A sua dor pairava no ar e depois ganhava traços bem concretos, sinto muito você ter passado por tudo isso. Achei interessante o recurso de se referir a “um palavra errada” com o artigo indefinido “um” não concordando com o substantivo seguinte, foi uma boa sacada e que fez total sentido nesse contexto. E em “Não a presença só quando há violência.” senti a dor de alguém que mesmo querendo que tudo fosse diferente, ainda prefere não ter por perto uma pessoa que te fez mal. Muita força pra você e que essa vida te traga muitas presenças saudáveis e que te mostrem o quanto você é especial!

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    1. Muito obrigada por reparar nesses detalhes. Fiquei com medo deles passarem despercebidos ou como erros. A frase que você citou é uma das minhas preferidas mas eu não tinha encontrado esse significado nela e na verdade agora ela faz mais sentido ainda pra mim pois me sinto exatamente assim.

      Obrigada de verdade pelo carinho que teve com o texto e comigo!

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  10. Foi uma leitura pesada e intensa, você se expressou muito bem e com bastante clareza, pude sentir um pouco da sua angústia enquanto lia. Parabéns pelo seu texto e por ser uma pessoa tão forte, te desejo o melhor!

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  11. Nossa, estou sem palavras, sinto muito por ter passado por isso! Quanto ao texto, você conseguiu se expressar muito bem e acho que a ausencia de espaços para "respirar" ajudou a transmitir a angústia, só fique atente para que só aconteça em casos assim <3

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    1. Feliz que você reparou, é um recurso que eu uso muito quando sinto que o texto passa sentimentos angustiantes. Ele ser corrido foi intencional pois é como me sinto <3

      Obrigada pelo carinho, anjo!

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  12. Seu texto é muito bom e retrata exatamente a sua dor. Deu pra sentir exatamente o que você passou. Só consigo desejar força e torcida pra que nem você nem ninguém passe por isso!

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  13. Arrepiada com o final! Deu pra sentir um pouquinho de tudo o que você passou, e a sua força hoje! As críticas quanto à construção, outros leitores já fizeram, então não irei repeti-las. Parabéns, filha de Oyá!

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  14. A cada frase lida, era um arrepio acompanhado de um calafrio. Você é muito forte e merece todo o acolhimento do mundo. Você é filha de Oyá, nasceu para tempestade e não para o ventinho, você é mais forte do que imagina ser.
    Em relação a escrita, senti uma mistura de carta com poesia, pelas frases rimadas, não sei se essa foi sua intenção.
    Parabéns pela pessoa que você se tornou, em não se calar mais.
    Que a mãe Oyá te abençoe sempre.

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    1. Que comentário lindo! Grata pelo olhar que você colocou sobre o texto e mais grata ainda por me ler de forma tão profunda. Muito obrigada.

      Que Mãe Oyá te guie, Axé!

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  15. Texto com conteúdo pesado, que bom que você falou sobre ele. Escrita muito boa, sugiro que na próxima faça parágrafos mais curtos para dar mais dinâmica.

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  16. Que texto forte! Sinto muito pelo o que tenha acontecido com você. Parabéns pela coragem de transcrever a sua dor e aflição.

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  17. Que texto!!
    Achei sua escrita linda e me fez sentir (ainda que nada comparado ao que você sabe que sentiu e sente) o que talvez tenha sentido quando escreveu.
    Parabéns.
    No mais, só pontuaria algumas questões com pontuações, mas nada que atrapalhe o sentimento todo do texto.

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