Se entende o silêncio como a paz em sua forma mais palpável, como o escape dos abismos sociais diário e na crença de alguns como a chave pra encontrar a si. Quem sabe o observar enxerga o silêncio como um mundo a parte e ele realmente pode ser quando é usado como arma para silenciar o barulho que tenta se exteriorizar pra distorcer essa construção de um mundo tão pacífico. É nessa hora que o silêncio se torna ensurdecedor.
"O silêncio branco mata" eu vi escrito em cartazes por toda a Internet em junho. Floyd, João Pedro, Breonna, Agatha, Vinicius, João Victor: Mortos. Pessoas brancas: discutindo se deveriam ou não falar sobre isso. As bases do racismo brasileiro estão fincadas na ideia de que o que não se ouve não existe, o que não é exposto não está ali e a opressão pelo silêncio é a mais eficaz de todas. A pensadora portuguesa, Grada Kilomba, expõe os métodos de silenciamento do povo preto durante a escravidão usando "a metáfora da máscara" onde escravizados usavam máscaras de metal na boca para serem impedidos de comer e roubar mas também de falar. "A Máscara" se torna a forma física da omissão de tal forma que hoje nem precisamos usá-la pra saber que ela esta aqui. E não é como se pessoas negras se omitissem ou não estivessem o tempo inteiro tentando falar, nós sempre estivemos aqui mas a escolha sempre foi de não nos ouvir e enquanto os olhos da branquidade nos enxergam estruturalmente enquanto "os outros" e a eles mesmos enquanto a neutralidade universal do todo nossas vozes continuam se perdendo em um vácuo eterno e isso também é parte essencial do que preserva as vigas de sustentação do sistema racista que nos rege.
A questão é que nós existimos - e mesmo que você se esforce muito pra dizer o contrário - sua neutralidade não.
O homem branco é capaz de manter-se calado diante de situações de injustiças porque o calar lhes foi inconscientemente ensinado, a omissão é o que mantém a branquidade nas posições que eles criaram pra si quando fundaram, dizimando nações inteiras pelo caminho, essa sociedade onde não me vejo em canto algum e não vejo os meus mesmo que nós sejamos a maioria da população, e enquanto o silêncio perpetuar as engrenagens continuam paradas e o mundo se mantém nessa falsa sensação de paz. É um pacto. Um pacto que usa de si próprio pra continuar subsistindo, ninguém fala sobre ele mas ele é quem dita a vida de pessoas não-brancas, ele dita quem está nos cargos altos das empresas e quem morre nos becos das periferias aos 15 anos. Um pacto estruturado e renovado. Um pacto de uma gente que não se enxerga enquanto povo mas mantém em suas relações inconscientes entre si um subconsciente opressor. Um pacto apresentado pela psicóloga e ativista, Cida Bento, em sua tese de doutorado "Pacto narcisico da branquitude" que basicamente explica o acordo silencioso entre pessoas brancas de se protegerem em qualquer situação.
No final das contas o silêncio é uma arma nas mãos daqueles que pela força detém o poder. É onde se inicia, estabelece e termina - quando tratam com normalidade a dizimação diária de povos não-brancos por esse governo genocída - toda a organização do estado que desde 1500 funciona exatamente como planejado.
É, o silêncio branco mata e enquanto você pensa se deveria se posicionar ou não a renovação do sistema nunca para.
O silêncio é a paz de uns é o inferno de outros.
Filha de Oyá
Muito boa a crônica, melhor ainda a escolha pela abordagem, completamente necessária, sobretudo nos tempos de hoje. Meus parabéns!!
ResponderExcluirmuito obrigada!
ExcluirAdorei a crônica, Filha de Oyá. Ao mesmo tempo em que aponta o silenciamento dos brancos aponta os motivos, conscientes e inconscientes disso.
ResponderExcluirObrigada, Michael Scarn! Confesso que estava apreensiva com essa, fico feliz que você tenha gostado :)
ExcluirExcelente e muito bem escrita, toca na ferida de muitos. Me lembrei do momento em q as discussões estavam fervendo após o assassinato do George Floyd, que alguns amigos vieram condenar a depredação de patrimônio, é muita falta de empatia com o sofrimento alheio
ResponderExcluirSilenciamento é sobre isso também. As pessoas não ouvem quando falamos baixo e pedimos por favor (parem de nos matar) e quando de tanto nos sufocar com nossa própria dor buscamos outros meios de nos fazer ouvidos somos vistos como violentos demais. Não tem meio termo na opressão e é ingenuidade achar que vão nos ouvir se pedirmos com educação.
ExcluirObrigada pelo comentário!!!
Exatamente, parecem se importar mais com vidraças do que com vidas. De nada!! Continue assim!
ExcluirCrônica muito bem escrita e com um assunto extremamente necessário e relevante, parabéns!
ResponderExcluirParabéns pela escrita. Texto fundamentalmente necessário. Toca em feridas e os argumentos utilizados são peça chave para o encadeamento de ideias.
ResponderExcluirÓtima crônica, o texto foi bem escrito e as citações foram bem utilizadas. Tema super necessário, Parabéns!
ResponderExcluirGostei da crônica falou muito bem sobre o tema e usou boas referências para explicar e fazer entender o que você queria dizer.
ResponderExcluirÓtima crônica! Usou referências e conseguiu encaixá-las muito bem ao seu tema, que é extremamente importante de ser debatido. Parabéns e obrigada por falar sobre isso.
ResponderExcluirNão se trata de vivências né, estamos falando de sobrevivências. Parabéns. Já passou da hora de ser dito.
ResponderExcluirParabéns, adorei a crônica! Super necessário o tema abordado.
ResponderExcluirÓtima crônica, muito necessária. Parabéns!
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