sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Homens brancos, pactos e a construção de uma sociedade calada.

 Se entende o silêncio como a paz em sua forma mais palpável, como o escape dos abismos sociais diário e na crença de alguns como a chave pra encontrar a si. Quem sabe o observar enxerga o silêncio como um mundo a parte e ele realmente pode ser quando é usado como arma para silenciar o barulho que tenta se exteriorizar pra distorcer essa construção de um mundo tão pacífico. É nessa hora que o silêncio se torna ensurdecedor. 

"O silêncio branco mata" eu vi escrito em cartazes por toda a Internet em junho. Floyd, João Pedro, Breonna, Agatha, Vinicius, João Victor: Mortos. Pessoas brancas: discutindo se deveriam ou não falar sobre isso. As bases do racismo brasileiro estão fincadas na ideia de que o que não se ouve não existe, o que não é exposto não está ali e a opressão pelo silêncio é a mais eficaz de todas. A pensadora portuguesa, Grada Kilomba, expõe os métodos de silenciamento do povo preto durante a escravidão usando "a metáfora da máscara" onde escravizados usavam máscaras de metal na boca para serem impedidos de comer e roubar mas também de falar. "A Máscara" se torna a forma física da omissão de tal forma que hoje nem precisamos usá-la pra saber que ela esta aqui. E não é como se pessoas negras se omitissem ou não estivessem o tempo inteiro tentando falar, nós sempre estivemos aqui mas a escolha sempre foi de não nos ouvir e enquanto os olhos da branquidade nos enxergam estruturalmente enquanto "os outros" e a eles mesmos enquanto a neutralidade universal do todo nossas vozes continuam se perdendo em um vácuo eterno e isso também é parte essencial do que preserva as vigas de sustentação do sistema racista que nos rege. 

A questão é que nós existimos - e mesmo que você se esforce muito pra dizer o contrário - sua neutralidade não. 

O homem branco é capaz de manter-se calado diante de situações de injustiças porque o calar lhes foi inconscientemente ensinado, a omissão é o que mantém a branquidade nas posições que eles criaram pra si quando fundaram, dizimando nações inteiras pelo caminho, essa sociedade onde não me vejo em canto algum e não vejo os meus mesmo que nós sejamos a maioria da população, e enquanto o silêncio perpetuar as engrenagens continuam paradas e o mundo se mantém nessa falsa sensação de paz. É um pacto. Um pacto que usa de si próprio pra continuar subsistindo, ninguém fala sobre ele mas ele é quem dita a vida de pessoas não-brancas, ele dita quem está nos cargos altos das empresas e quem morre nos becos das periferias aos 15 anos. Um pacto estruturado e renovado. Um pacto de uma gente que não se enxerga enquanto povo mas mantém em suas relações inconscientes entre si um subconsciente opressor. Um pacto apresentado pela psicóloga e ativista, Cida Bento, em sua tese de doutorado "Pacto narcisico da branquitude" que basicamente explica o acordo silencioso entre pessoas brancas de se protegerem em qualquer situação. 

No final das contas o silêncio é uma arma nas mãos daqueles que pela força detém o poder. É onde se inicia, estabelece e termina - quando tratam com normalidade a dizimação diária de povos não-brancos por esse governo genocída - toda a organização do estado que desde 1500 funciona exatamente como planejado. 

É, o silêncio branco mata e enquanto você pensa se deveria se posicionar ou não a renovação do sistema nunca para. 

O silêncio é a paz de uns é o inferno de outros.


                                                                                                                           Filha de Oyá


15 comentários:

  1. Muito boa a crônica, melhor ainda a escolha pela abordagem, completamente necessária, sobretudo nos tempos de hoje. Meus parabéns!!

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  2. Adorei a crônica, Filha de Oyá. Ao mesmo tempo em que aponta o silenciamento dos brancos aponta os motivos, conscientes e inconscientes disso.

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    1. Obrigada, Michael Scarn! Confesso que estava apreensiva com essa, fico feliz que você tenha gostado :)

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  3. Excelente e muito bem escrita, toca na ferida de muitos. Me lembrei do momento em q as discussões estavam fervendo após o assassinato do George Floyd, que alguns amigos vieram condenar a depredação de patrimônio, é muita falta de empatia com o sofrimento alheio

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    1. Silenciamento é sobre isso também. As pessoas não ouvem quando falamos baixo e pedimos por favor (parem de nos matar) e quando de tanto nos sufocar com nossa própria dor buscamos outros meios de nos fazer ouvidos somos vistos como violentos demais. Não tem meio termo na opressão e é ingenuidade achar que vão nos ouvir se pedirmos com educação.

      Obrigada pelo comentário!!!

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    2. Exatamente, parecem se importar mais com vidraças do que com vidas. De nada!! Continue assim!

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  4. Crônica muito bem escrita e com um assunto extremamente necessário e relevante, parabéns!

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  5. Parabéns pela escrita. Texto fundamentalmente necessário. Toca em feridas e os argumentos utilizados são peça chave para o encadeamento de ideias.

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  6. Ótima crônica, o texto foi bem escrito e as citações foram bem utilizadas. Tema super necessário, Parabéns!

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  7. Gostei da crônica falou muito bem sobre o tema e usou boas referências para explicar e fazer entender o que você queria dizer.

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  8. Ótima crônica! Usou referências e conseguiu encaixá-las muito bem ao seu tema, que é extremamente importante de ser debatido. Parabéns e obrigada por falar sobre isso.

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  9. Não se trata de vivências né, estamos falando de sobrevivências. Parabéns. Já passou da hora de ser dito.

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  10. Parabéns, adorei a crônica! Super necessário o tema abordado.

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  11. Ótima crônica, muito necessária. Parabéns!

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