quinta-feira, 22 de outubro de 2020

8 ou 80

 Você foi tudo. Você me levou do 8 ao 80 e me fez sentir coisas que nunca senti antes. Você me mostrou outro lado da vida, que eu não esperava conhecer, claro, éramos tão jovens... Foi com você que eu descobri coisas novas sobre mim mesma e aprendi lições importantes, e foram ali, naqueles momentos que você dizia serem tão quentes, que eu experimentei o que tanto falavam, ali naquele sofá, ou naquele banheiro, ou nos diversos lugares que isso aconteceu e que nossos corpos se tocaram.

É, você me ensinou muita coisa. Me mostrou que eu não preciso ter vontade para você tocar no meu corpo e me mostrou que eu não mereço algo melhor do que você, pois ninguém mais iria me querer, e eu deixei.

Sim, você me levou do 8 ao 80, bagunçando a minha vidinha monótona, e eu deixei.

Sim, você me fez sentir coisas que eu nunca senti antes, pois eu nunca achei que iria me sentir inferior, que iria me sentir usada, suja, e nunca achei que iria sentir um toque masculino em momentos que eu não queria, mas eu deixei.

E com certeza você me mostrou um lado da vida que eu não conhecia, porque eu não conhecia o terror psicológico e obviamente não conhecia as relações sexuais ou a importância do meu “não”, claro, éramos tão jovens... Quantos anos eu tinha, 14?

Definitivamente eu descobri coisas novas sobre mim mesma, descobri que eu era inválida e que eu tinha apenas que te agradar, porque se não te agradasse eu o perderia, e esse seria o meu fim, por isso eu deixei.

E, sim, eu experimentei o que os adultos tanto falavam, mas não foi tão incrível quanto eles diziam, será que eles também eram forçados a fazer isso ou só eu era a errada? Se bem que, segundo você, eu era a errada.

Mas eu deixei, e me mantive ao seu lado até quase desistir dessa aventura chamada vida. Acho que, se a auto-sabotagem existe, ela tem a intensidade do nosso relacionamento e, se a tortura tem um rosto, ele é parecido com o seu.


                                                                                                          Cigana Oblíqua Dissimulada


20 comentários:

  1. Nossa q texto pesado, parabéns pela intensidade que vc conseguiu colocar, não é pra qualquer um, muito bom!

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  2. Texto super intenso, mas não sei se é realmente uma autossabotagem. Relações abusivas nunca são culpa da pessoa q as sofreu, mas no texto, fico receosa que possa parecer que sim. Quero dizer que como o tema é autossabotagem e a escolha foi por esse viés, pode dar a entender que as coisas horríveis que aconteceram com você foram porque você simplesmente deixou e não foi "manipulada", como sabe-se que acontece. Posso estar errada, até gostaria que me respondesse para entender melhor qual foi a sua intenção. Mas parabéns pela coragem e pela entrega na crônica.

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    1. Oi, Michael, obrigada pela crítica. Minha intenção foi mostrar como eu me deixei manipular tendo plena noção de que era algo que me prejudicava. Hoje em dia entendo que não foi minha culpa, mas quando os traumas pesam você volta a considerar o que foi dito na crônica, que você se deixou ser manipulada. A autosabotagem pra mim está não só em ter deixado, mas em achar que eu era a responsável. Talvez não tenha deixado claro, mais uma vez obrigada pelo comentário.

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    2. Ah sim, Cigana. Entendi agora o sentido da sabotagem. De qualquer forma é um texto excelente. Parabéns novamente.

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  3. Cigana, sinto muito por você ter passado por isso tudo. No início, achei que seria uma história de paixão adolescente "feliz" mas me surpreendi ao longo do texto. Sobre a autossabotagem, eu entendi que você falou sobre esse relacionamento abusivo no sentido de ter "se negligenciado" a ponto de "aceitar" certos tratamentos, mas como Michael disse no outro comentário, a culpa não é sua, nessas situações de manipulação, muitas vezes nos é retirado os recursos pra sair dela (amor próprio, força de vontade, motivação). Creio que por isso é tão difícil. Texto muito bom e bem escrito, me fez pensar bastante.

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    1. Muito obrigada, Estela, pela crítica e pelas palavras! Sobre a pulsão, se quiser pode ler minha resposta para Michael, que detalhei melhor minha intenção.

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    2. Ia comentar a mesma coisa que a Estela, fico feliz que você explicou e ainda mais feliz de saber que hoje você já está livre dessa situação. Parabéns pelo texto!

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  4. Bastante pesado e sinto muito que você tenha sofrido abuso, e ainda tão jovem. O texto todo foi impactante mas o final me deixou mais ainda. Enfim, parabéns!

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  5. Super pesado!
    Sinto muito por ter passado por isso, espero que a cada dia isso só te sirva de aprendizado e te mostre sempre o melhor caminho para sua cura. Texto muito intenso, parabéns pela coragem.

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    1. Obrigada pelo comentário, Joana, tento sempre tirar o lado positivo desse problema!

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  6. Fiquei impactada com o seu texto e sinto muito você ter passado por isso! Só não sei se entendi bem como você usou a sabotagem no texto.

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    1. Obrigada pelas palavras, Sol! Recebi alguns comentários questionando isso, deveria ter melhorado esse ponto no texto. Caso queira uma explicação, pode ler a minha resposta para Michael <3

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  7. Que pesado, sinto muito que você tenha passado por isso. Sobre o texto, eu gostei do desenvolvimento e a escrita foi bem feita. Parabéns!

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  8. Confesso que foi tão impactante a ponto de sentir um embrulho no estomago. Sinto muito por você ter passado por isso tudo, de verdade mesmo.
    Mas acho que isso não foi uma autossabotagem, porque você não tem e nem teve culpa, você foi manipulada, foi como o Michael falou.
    Te desejo a maior força do mundo, parabéns.

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    1. Obrigada pelas palavras e pela crítica, Rita, talvez tenha escolhido a proposta errada para abordar esse tema!

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  9. Que texto! Impactante e pesado, imagino que não seja fácil falar sobre algo tão delicado, você conseguiu organizar bem a sua crônica e entregou uma leitura intensa. Parabéns pela coragem e sinto muito que tenha passado por isso.

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    1. Obrigada pelo comentário! Realmente demorei bastante para conseguir escrever sobre o assunto, de qualquer forma agradeço pela crítica! <3

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