À deriva
Você está aqui novamente, não é mesmo? Sua companhia é muito
agradável, e ter seus olhos atentos como leitores me dão conforto. Eu te
convidei para entrar e, como bom anfitrião, preparo hoje uma recepção mais
hospitaleira e otimista. Sei que normalmente sou muito intenso, mas minha
intenção no dia de hoje é diminuir a voltagem. Toda montanha-russa tem seus
pontos suaves. Hoje resolvi me alongar, e esse texto será longo e extenso, por
isso recomendo que o deixe por último. Pra ilustrar bem o assunto e como forma
de prelúdio, começo esse texto com versos de uma das minhas canções favoritas.
É culpa minha
Agora eu sei
Aos poucos estou me acostumando
A ser deixado sozinho
Argus Stoneheart é um nome que escolhi pra representar meu
ser nesse nosso lúdico mundo digital, mas Argus não é criação recente. Enquanto
muitos criam personas alternativas
para se sentirem mais corajosas e confiantes, Argus foi minha forma de me
permitir ser o que nunca tive tempo para ser: vulnerável.
Eu conheci o lado amargo da vida muito cedo, e tive minha
infância interrompida precocemente. Por causa disso, fui forçado a amadurecer
antes da hora. As pessoas têm o costume de dizer que tenho uma alma velha em um
corpo novo. Sempre foi difícil pra mim me relacionar com as pessoas que eu
tinha ao meu redor, porque nossas mentes não eram compatíveis, e eu nunca
consegui me conectar bem com ninguém. Eu fui uma criança sem amigos, que descobriu
como crescer sozinha. O silêncio era meu único companheiro, mas por vezes ele
era escandaloso demais. Nesses tempos era quando eu me via na carência de contato
com outras pessoas, e foi quando eu pensei em uma forma de me aproximar delas.
Se eles não me acham legal pelo que sou, talvez eles me
achem legal se eu for útil. Achava
que se pudesse carregar os pesos de outras pessoas, a minha solidão diminuiria,
quando apenas crescia. Por isso, sempre era o amigo disponível, o conselheiro,
o companheiro, aquele para o qual você pode ligar às 3 da manhã porque está
passando mal e ele vai te atender de primeira.
Mas, de tanto carregar a necessidade dos outros, você
esquece da sua própria. Meus problemas
são sempre os últimos que resolvo, e me prolongo na ávida tarefa de me
reconstruir. Por causa disso, eventualmente, eu acabo ficando dolorosamente sozinho. Em algum ponto, as pessoas
deixam de precisar de mim. Já resolvi todos os problemas delas, qual a
necessidade delas continuarem em contato?
Por mais que eu saiba que isso sempre acontece, meu coração se parte de
uma maneira diferente toda vez que eu os vejo dando as costas. Sem nenhuma
promessa, eu espero que eles cumpram a palavra nunca dita de permanecer ao meu
lado até o fim. Tão tolo, toda vez esqueço que sou o único que promete tal
coisa.
É uma baita de uma confissão, eu sei, mas esse é o caco mais
difícil que eu tenho que lidar. Todas as suas pontas são afiadas, e todas as
vezes que eu o pego nas mãos, ganho novas cicatrizes. Hoje é um desses dias,
dia no qual estou perdendo alguém que amei, a melhor companhia que já tive, o
melhor abraço que já recebi, o melhor amigo que já conheci. Por um momento,
estávamos tão bem, e eu pensei que fôssemos viver uma daquelas histórias de
amizades que duram décadas. O que houve entre nós? Foi algo que eu fiz? Eu te
magoei? Por favor, me diga, porque não quero passar pela dor de te ver partir
sem se despedir. Pouco a pouco, estamos cada vez mais distantes um do outro, e
não vejo como consertar isso. Acho que como um copo quebrado, também perdi
minha utilidade pra Você. Você foi diferente dos outros. Talvez inconscientemente,
Você me deu esperanças de que ia ficar,
e quando eu estava criando coragem pra te mostrar minha humanidade, Você não
estava mais lá pra ver. Sozinho fiquei, sozinho estou.
Mas, se deixar alguém que eu amo ir embora é o sacrifício
que eu preciso fazer toda vez para me reconstruir novamente, esse é um preço
que estou disposto a pagar. Como barcos à deriva num oceano de sentimentos, eu
e Você partimos. Você levando embora as partes de mim que eu te dei, e eu sendo
obrigado a me refazer das migalhas que Você deixou. Me recuso a chorar, não vou
me permitir sentir essa dor, porque não é justo que eu chore enquanto Você se
esquece de mim. Por isso, como quando tinha novamente meus oito anos, eu tenho
preferido meu velho amigo Silêncio como companhia. Pelo menos ele não vai
embora.
Apesar de todas essas palavras, eu ainda alimento alguma
esperança que Você vá voltar. Não agora, e não do jeito que Você é. Não posso
te amar da forma que devo enquanto eu e Você não formos capazes de mudar. Você
precisa aprender a me amar mais, e eu preciso aprender a não te amar demais.
Você foi o melhor amigo que eu já tive, e meu coração e minha alma eu te
confiei, mas eu sei ser cruel, e por isso, estou te cortando da minha vida. Você
dói, Você me machuca e não sente, e isso é culpa minha, porque durante todo
esse tempo, eu lidei com essa dor sem soltar um “ai”. Talvez se eu te mostrasse
minha fraqueza, Você teria sido capaz de retribuir minha amizade.
Assim, me resta apenas você,
do outro lado da tela. Me desculpe se te fiz se sentir desconfortável em algum
ponto, é porque nessas idas e vindas de pessoas marcantes, eu apenas percebo o
quanto eu preciso mais de mim. Apesar do abandono, não consigo sentir raiva,
apenas pena. É uma pena que Você me
deixou pra trás, porque Você nunca mais vai ter meu antigo eu de volta. Eu
nunca mais vou conseguir te dar o que já dei um dia, e eu nunca mais vou
conseguir retribuir o seu abraço com a mesma confiança. Você perdeu o
significado, não passa de uma fração da minha vida com a qual vou ter que
lidar, mas eu sou especialista em ignorar meus próprios sentimentos e
necessidades desde que era criança, te apagar não vai ser difícil. Vai doer,
vou sentir sua falta por um tempo, mas em breve, Você vai deixar de existir,
junto com tudo que eu senti um dia. Não se preocupe comigo, eu vou me
reconstruir, e vai ser mais rápido do que eu espero. Eu sempre dou um jeito.
Por enquanto, resto apenas eu, no meu barquinho, remando nas
águas do Desconhecido numa viagem que um dia vai ter fim. O Silêncio é meu
companheiro, mas já não sou mais a criança que o temia. Sou o homem que o
aceitou. Nessa jornada, aguardo o dia que minha embarcação vai encontrar a de
alguém que aceite minhas dores e aceite navegar ao meu lado. Nesse dia, vou
finalmente conhecer o amor.
Por Argus Stoneheart
Caramba, Argus... Desde o início em que você faz um convite impossível de recusar até a constante quebra da quarta parede, eu fiquei vidrada. Mesmo narrando uma situação corriqueira, algo que todos nós podemos entender — e acredite, eu te entendo como ninguém —, ela se torna mágica, poética e quiçá fantasiosa por causa dessa sua maestria com as palavras. Parece até uma espécie de toque de Midas. Obrigada por esse texto!
ResponderExcluirCom carinho,
Inez
Caro Argus, sinceramente não tenho nem palavras para descrever as sensações experimentadas ao ler seus textos. Seu talento para contar uma história e capacidade de prender a atenção de absolutamente qualquer um é no mínimo "assustadora". Somos jogados dentro do seu mundo e tenho a sensação de quase visualizar tudo o que você diz e mais claramente ainda me relaciono com seus relatos. Talvez a coisa mais difícil da vida seja dar valor a nós mesmos e entender que nós devemos ser nossa prioridade. Espero que um dia as águas da vida levem sua embarcação a um porto seguro e, enfim, você encontre o que deseja.
ResponderExcluirUm abraço, Ford
Argus, eu quase chorei, tá? As lágrimas vieram bem na ponta dos meus olhos e voltaram, porque eu ando tentando ser forte. Mas eu dei vários suspiros, daqueles bem fortes, que é preciso ir fundo dentro de si , lá no passado, e retornar rapidamente . Eu me senti mergulhando em águas espessas, turvas, um tanto misteriosas. Seu texto tem uma carga emocional densa, ele coloca a mão dentro do nosso peito, incomoda. Só que arte é isso! Você faz arte, Argus! Parabéns pelas palavras tão bem conduzidas.
ResponderExcluirNossa, Argus, você tirou meu fôlego.
Argus, como disse no texto, o Silêncio as vezes é o nosso melhor amigo e nunca nos abandona, mesmo sendo um duro amigo. Sobre o texto, mais uma vez você nos deixou sem folego ao escrever tantas coisas tristes mas de maneira tão linda, seu texto me fez refletir muito sobre coisas que acontecem comigo também. Espero que consiga achar essa pessoa que procura, também estou nessa árdua busca, que talvez demore mais do que eu acho, mas é a vida né.
ResponderExcluirFreddie Mercury