sexta-feira, 13 de maio de 2022

 É preciso se matar para viver

Terminou. Perdi tudo o que eu tinha. Era dezembro de 2019 e eu me via no chão. Entre crises de depressão e ansiedade, senti vontade de tirar minha própria vida. Me perdi. Te perdi. E o que fazer a partir de agora? Caio na tentação de pôr fim ao sofrimento que parecera eterno ou resisto e sigo em frente? Decisão difícil, infelizmente. Foram semanas de pensamentos impuros e confesso que não o fiz por conta da minha família. Mesmo que a vida estivesse sendo insuportável, não aguentei pensar no sofrimento que causaria aos meus entes próximos. Talvez acabasse com a vida deles e, com isso, eu não me perdoaria jamais. Portanto, a partir dali tive que ser forte. Não porque quisesse, mas por eles.

Decidi começar a terapia e foi a melhor decisão que eu pude ter. Me deu todo o apoio necessário e me fez acreditar piamente de que tal sentimento iria se esvair com o tempo. O tempo curará tudo o que for preciso, pensei. O tempo e a reflexão sobre o meu eu interior. Mesmo perdido como nunca, fiz um acordo comigo mesmo de que mudaria, de que me transformaria numa nova pessoa. Desse modo, entrei num processo de autodescobrimento que durou alguns sofridos meses. E talvez tenha sido a pior decisão possível. Não pelo fato de buscar o autoconhecimento, o que foi bastante importante – confesso. E sim pois escondi todos os meus sentimentos das pessoas que mais amo nesta vida. Me isolei do mundo, me isolei dos amigos, da família e me mantive em casa refletindo sobre tudo. Me fechei. Tentava entender tudo o que havia passado, todos os erros que havia cometido e o que eu devia fazer diferente a partir de então. Tentava entender o porquê de eu apostar todas as fichas numa relação, o porquê de eu colocar a felicidade nas mãos de outra pessoa. Não fazia sentido e eu me senti cada vez mais com raiva de mim. Sou jovem e inexperiente, indagava o meu eu do passado como forma de amenizar o sentimento de culpa.

Meses se passaram e eu passei a sentir uma latente solidão e percebi que tal isolamento talvez não estivesse sendo benéfico. Preciso de momentos de descontração ou eu vou surtar ainda mais, pensei. Me permiti, logo, voltar a sair com meus amigos. Foi aí que percebi que havia desenvolvido certa fobia social e ressentimento com tudo ao meu redor. Pensava que estava completamente sozinho e o mundo estava contra mim. Desconfiava de tudo e todos. Até de quem não devia. Por fim, descobri que o erro estava em mim, não nos outros.

Após um breve momento de socialização, o pior aconteceu. De fato, quando resolvi sair do casulo e voltar a viver em sociedade, a pandemia chegou. E agora? Como me readaptar a um novo período de isolamento? Como reconstruir os cacos a partir de uma nova perspectiva? Pensei. Diante de um tempo incerto e obviamente mais dramático, os traumas voltaram a ressurgir em minha alma. E ainda em dose aumentada, pois o medo não se restringia a mim. Agora, passei a temer somente a vida de minha mãe e vó, principalmente. O risco era maior e com o “auxilío” da depressão me deixou em pavor extremo. O medo era gigantesco. E a raiva de um governo genocida também. Juntando os dois, não havia como dar certo. Estresse atrás de estresse. Discussão atrás de discussão. A vida definitivamente havia se tornado um inferno de novo.

Enfrentei mais uma vez uma situação ainda pior: O pânico e a fobia social. Mesmo tímido, nunca imaginei que fosse sofrer com isso dessa maneira. Porém, quem pudera. Fiquei quase dois anos sem interação social. Lembro até hoje das diversas crises e neuroses que criei. Lembro até hoje da vez que saí e tive uma crise de pânico terrível. Pensei que fosse morrer naquele instante. 

         É estranho pensar que precisamos nos matar, às vezes, para viver. Afinal, a cada circunstância nasce um novo Homem. A cada dia nasce um novo eu. Ao fim do dia, morre um velho eu. Me matei para surgir uma nova pessoa menos frágil e mais preparada para lidar com os pesares do mundo.

Por Malcom King

4 comentários:

  1. Malcom, sua escrita é muito intimista, e fico grato que você tenha nos confiado com essa perspectiva pessoal da sua vida. Sua maneira de descrever os próprios sentimentos e pensamentos faz eu me transportar para dentro do seu mundo, e pude ter um vislumbre de como a situação foi difícil pra você. Por mais que seja difícil interagir com as pessoas, aqui nesse ambiente não precisamos nos preocupar com isso, então aproveite essa experiência pra criar mais relações saudáveis que vão te ajudar. Conte comigo pra isso! S2
    Com afeto, Argus.

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  2. Caro Malcom, seu relato escancara os aspectos cruéis da vida e a nossa fragilidade perante nossos sentimentos e emoções. Sinceramente, encontro-me mexido após a leitura de seu texto e deixo aqui todo o meu carinho e apoio. Visivelmente não foi fácil conviver consigo mesmo dessa maneira mas espero que você seja forte e vença o que te faz mal. De fato reconstruir-se é uma tarefa árdua, mas necessária, do contrário não estaríamos aqui. Te desejo o melhor e deixo aqui meus parabéns pela potência do texto.
    Um abraço, Ford.

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  3. Malcom, eu estou em puro espanto do lado de cá da tela. Eu fui fisgado aos poucos pelas suas palavras e quando dei por mim, já não conseguia mais desviar meus olhos . Uma me levou a outra, a mais outra, até que cheguei no final e me vi refletido em quase tudo que você escreveu. Eu só tenho que agradecer e parabenizá-lo pela sua entrega. Adoro textos intimistas que proporcionam essa viagem não só naquilo que é narrado, mas também no que está nas entrelinhas e que é completado pela realidade do leitor. Parabéns pelo texto, Malcom.

    Abraços do Liev.

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  4. Malcom, primeiramente meus parabéns, seu texto é lindo e conseguiu expor muito do que você passou, infelizmente esses últimos acontecimentos serviram para fazermos reflexões sobre o caminho que a nossa vida está trilhando. Espero que você tenha conseguido superar esses sentimentos ruins e essa fobia social.
    Freddie Mercury

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