QUE O TEMPO ME COMA DE FRENTE
Um dia, assisti a uma palestra da Viviane Mosé pelo Youtube e a vi recitar sua própria poesia “ Vida/Tempo”,tão cheia de vida e ousadia - vou deixá-la aqui, ao final do texto, como leitura recomendada. Naquela época, eu senti tanta energia ao escutá-la, que meu coração começou a vociferar asneiras, desvairado como ele é.
Então , hoje, refletindo sobre como eu poderia recolher os meus cacos, aquelas partes de mim espalhadas pelo chão da minha história, só pude lembrar dessa poesia, a força motriz que já me impeliu certa vez.
Como não lembrar?
Assim como a poetisa e filósofa, decidi que vou encarar o tempo de frente, e se ele quiser passar a mão em mim, que passe. Se quiser me comer, que coma. Venha ver o nascer do sol, meu bem. Porque, no final do dia, eu vou recolher as minhas preciosidades, aquilo que o tempo não devorou com a fome de um lobo de Winterfell. Aquilo que restou, não porque foi fraco, mas porque resistiu, agarrou o lobo pelos dentes, colocando a mão à prova. Aquilo que da mão restou.
Com uma agulha, vou costurar os pedaços de carne soltos, estancar o sangue, deixar a dor descansar. No dia seguinte, costurarei mais um pouco, até que meu corpo sinta que perder e ganhar faz parte do que é estar vivo. Até que eu aprenda, enfim, o que é estar vivo.
Vou encarar de frente.
Uma linha se soltou do novelo aqui dentro. Estou puxando para ver até onde isso vai dar, e posso dizer uma coisa, a sensação está sendo ótima. O café de hoje,amargo como de praxe, não machuca a minha boca. A maçã azeda, tão mal selecionada por minha falta de destreza, nem me incomoda tanto assim. Sabe o grito do meu vizinho, chamando o filho? Que bela poesia essa que a manhã me traz.
Ah… a vida!
Cansei de nadar contra o presente. Ele que sempre veio arrumado e cheiroso , batendo três vezes na minha porta, gritando meu nome, como o Sheldon. E eu em resposta, como um quadrúpede,abria a porta ,mostrava a minha cara de ranzinzo e sumia rapidamente.
Mas não hoje. Não sei bem o motivo, só sei que abri a porta da sala ,um pouco sorridente até, e disse: pode passar.
Liev Vitorino
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VIDA/TEMPO - Viviane Mosé
Quem tem olhos pra ver o tempo
Soprando sulcos na pele
Soprando sulcos na pele
Soprando sulcos?
O tempo andou riscando meu rosto
Com uma navalha fina
Sem raiva nem rancor.
O tempo riscou meu rosto com calma
Eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença.
Acho que a vida anda passando a mão em mim.
A vida anda passando a mão em mim.
Acho que a vida anda passando.
A vida anda passando.
Acho que a vida anda.
A vida anda em mim.
Acho que há vida em mim.
A vida em mim anda passando.
Acho que a vida anda passando a mão em mim.
E por falar em sexo
Quem anda me comendo é o tempo
Na verdade faz tempo
Mas eu escondia
Porque ele me pegava à força
E por trás.
Um dia resolvi encará-lo de frente
E disse: Tempo,
Se você tem que me comer
Que seja com o meu consentimento
E me olhando nos olhos
Acho que ganhei o tempo
De lá pra cá
Ele tem sido bom comigo
Dizem que ando até remoçando.
Texto por Liev Vitorino
Música por Viviane Mosé
Gostei bastante do seu texto, Liev! Acho que o problema da maioria de nós com a passagem do tempo é justamente a proximidade da morte, do não ser, do fim.
ResponderExcluirEncarar o tempo de frente, como ator e não objeto, é uma postura muito corajosa da sua parte.
A poesia complementou muito bem o texto, foi a cereja do bolo. Parabéns!