sexta-feira, 13 de maio de 2022

 QUE O TEMPO ME COMA DE FRENTE


Um dia, assisti a uma palestra da Viviane Mosé pelo Youtube e a vi recitar sua própria poesia “ Vida/Tempo”,tão cheia de vida e ousadia - vou deixá-la aqui, ao final do texto, como leitura recomendada. Naquela época, eu senti tanta energia ao escutá-la, que meu coração começou a vociferar asneiras, desvairado como ele é.


Então , hoje, refletindo sobre como eu poderia recolher os meus cacos, aquelas partes de mim espalhadas pelo chão da minha história, só pude lembrar dessa poesia, a força motriz que já me impeliu certa vez.


Como não lembrar?


Assim como a poetisa e filósofa, decidi que vou encarar o tempo de frente, e se ele quiser passar a mão em mim, que passe. Se quiser me comer, que coma. Venha ver o nascer do sol, meu bem. Porque, no final do dia, eu vou recolher as minhas preciosidades, aquilo que o tempo não devorou com a fome de um lobo de Winterfell. Aquilo que restou, não porque foi fraco, mas porque resistiu, agarrou o lobo pelos dentes, colocando a mão à prova. Aquilo que da mão restou. 


Com uma agulha, vou costurar os pedaços de carne soltos, estancar o sangue, deixar a dor descansar. No dia seguinte, costurarei mais um pouco, até que meu corpo sinta que perder e ganhar faz parte do que é estar vivo. Até que eu aprenda, enfim, o que é estar vivo.


Vou encarar de frente.


Uma linha se soltou do novelo aqui dentro. Estou puxando para ver até onde isso vai dar, e  posso dizer uma coisa, a sensação está sendo ótima. O café de hoje,amargo como de praxe, não machuca a minha boca. A maçã azeda, tão mal selecionada por minha falta de destreza, nem me incomoda tanto assim. Sabe o grito do meu vizinho, chamando o filho? Que bela poesia essa que a manhã me traz. 


Ah… a vida!


Cansei de nadar contra o presente. Ele que sempre veio arrumado e cheiroso , batendo três vezes na minha porta, gritando meu nome, como o Sheldon. E eu em resposta, como um quadrúpede,abria a porta ,mostrava a minha cara de ranzinzo e sumia rapidamente.


Mas não hoje. Não sei bem o motivo, só sei que abri a porta da sala ,um pouco sorridente até, e disse: pode passar.



Liev Vitorino


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VIDA/TEMPO - Viviane Mosé


Quem tem olhos pra ver o tempo

Soprando sulcos na pele

Soprando sulcos na pele

Soprando sulcos?

O tempo andou riscando meu rosto

Com uma navalha fina

Sem raiva nem rancor.

O tempo riscou meu rosto com calma

Eu parei de lutar contra o tempo

ando exercendo instantes

acho que ganhei presença.

Acho que a vida anda passando a mão em mim.

A vida anda passando a mão em mim.

Acho que a vida anda passando.

A vida anda passando.

Acho que a vida anda.

A vida anda em mim.

Acho que há vida em mim.

A vida em mim anda passando.

Acho que a vida anda passando a mão em mim.

E por falar em sexo

Quem anda me comendo é o tempo

Na verdade faz tempo

Mas eu escondia

Porque ele me pegava à força

E por trás.

Um dia resolvi encará-lo de frente

E disse: Tempo,

Se você tem que me comer

Que seja com o meu consentimento

E me olhando nos olhos

Acho que ganhei o tempo

De lá pra cá

Ele tem sido bom comigo

Dizem que ando até remoçando.

Texto por Liev Vitorino

Música por Viviane Mosé

Um comentário:

  1. Gostei bastante do seu texto, Liev! Acho que o problema da maioria de nós com a passagem do tempo é justamente a proximidade da morte, do não ser, do fim.
    Encarar o tempo de frente, como ator e não objeto, é uma postura muito corajosa da sua parte.
    A poesia complementou muito bem o texto, foi a cereja do bolo. Parabéns!

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