Cada Vez Mais 

 Eu gosto de prever situações e planejar a minha tarde, o meu dia, a minha semana... Incluo sempre mil variáveis e tento me manter preparado para imprevistos mas, ainda assim, quando ocorrem, são sempre inesperados. É que eu tenho essa ideia de como o mundo deveria funcionar bem enraizada na minha cabeça, só que o mundo não está nem aí e, toda vez que ponho os pés pra fora de casa, ele me quebra.

Existe uma técnica japonesa que consiste em remendar vasos, louças e objetos quebrados com ouro - na verdade, é uma resina que tem a cor do ouro, mas continuarei tratando como ouro por causa do conceito filosófico dessa tradição. - O ouro é um elemento que simboliza a perfeição e a força. Em geral, objetos que passam por esse processo, denominado  kintsugi, passam mais valorizados do que antes de serem quebrados. Para que ouro mantenha os cacos juntos, é necessário um tempo de secagem que pode levar semanas ou até mesmo meses.

 O mundo já me quebrou vezes demais. Eu já permiti que o mundo me quebrasse vezes demais. Em verdade, eu mesmo é que vou me quebrando. Cada.Vez. Mais. Houveram muitos momentos nos últimos dois anos em que acreditei piamente que estava pronto para juntar meus cacos. Caí estupidamente naquela conversa de que a quarenta teria um lado positivo: o de olhar para dentro e se conhecer, se reconhecer, se renovar. Renascimento. Ninguém precisa de pandemia pra isso. Mas a questão é que eu ainda não estava pronto para me refazer. Quis confundir a dor da destruição com a da reparação para continuar fingindo para mim mesmo que minha situação não era assim tão grave. 

Mas não consegui esconder essa verdade por muito tempo. A dor ainda era a mesma. Tudo o que eu fazia era me quebrar em pedaços ainda menores.

Meus braços de repente perdem as forças. Desolado, deixo meus cacos caírem no chão. Apenas olho calado e me pergunto: Quando é que vou decidir que já é hora de me reconstruir?

Por Akil Ubirajara