Minha mente, meu maior obstáculo
Era uma noite fria e chuvosa no Rio de Janeiro. Enquanto a tempestade e o ar gelado pairavam sobre a cidade de Campo Grande, parte de uma família desajustada se reunia na casa da tia Fátima, em volta da mesa da cozinha. Este era um típico ritual pós festa da família, momento em que alguns membros se reúnem para fofocar sobre os acontecimentos do evento e reclamar uns dos outros – tais reclamações nunca cessam, em razão da persistente falta de diálogo, as desavenças entre eles não são resolvidas e continuam a constituir uma grande bola de neve que engole a todos. Depois de apontarem todos os erros e falhas uns dos outros – isso inclui tanto os tios (as) quanto os primos (as) –, a conversa toma outro rumo. Agora, lá estava eu, me tornando o alvo da vez e sendo questionada sobre a minha vida e os meus planos para o futuro – por morar longe de todos e só visitá-los em datas comemorativas, esses questionamentos se tornaram comuns a cada visita.
No meu contexto familiar, me consideram como um “ponto fora da curva” simplesmente por ter concluído o ensino médio, ter ingressado em uma universidade pública e continuar seguindo no caminho dos estudos. De certa forma, me sinto feliz por conseguir quebrar o padrão da família e pelo reconhecimento de todos. No entanto, não consigo lidar com o “pedestal” no qual me colocaram. Inteligente. Estudiosa. Focada. É assim que eles me veem e como falam de mim para os outros. Infelizmente, não sabem da existência de muitas lutas internas. Afinal, a autossabotagem faz morada em mim.
Na minha mente, questiono a minha capacidade intelectual, como também os meus méritos. Em muitos momentos, me sinto incapaz. Por vezes, não me acho merecedora. As crises de ansiedade surgem como imensas ondas e me consomem de tempos em tempos. Quando isso ocorre, sou novamente vencida...
Minutos depois, a campainha toca. Conversa interrompida. Todos se levantam para recepcionar os que faltavam. Quando retornei a compreensão da situação, senti o alívio de não ter que prosseguir naquela conversa. Mesmo assim, meu tio Márcio me chama no canto e comenta:
– Mandei para o seu zap alguns editais de concursos com inscrições abertas. Como você é inteligente, tenho certeza que vai conseguir!
Por Elizabeth Bennet
Elizabeth, adorei a forma como construiu a cena no início do texto. Você conseguiu começar muito bem e manter nesse nível até o final. Parabéns pela escrita e pela conquista de quebrar padrões familiares. Deve ser extremamente difícil lidar com essa pressão sentindo que talvez não esteja à altura de toda essa expectativa... Mas tenha a certeza de que você é totalmente capaz. Tenho certeza de que já conquistou muita coisa até aqui e ainda conquistará muitas mais.
ResponderExcluirQuerido Akil, agradeço pelas lindas palavras! Realmente, é difícil lidar com a pressão e toda a expectativa familiar sobre mim. Mas, já estou tratando dessa questão para não permitir que isso me afete de forma tão negativa. Abraços!
ExcluirElizabeth, seu texto me tocou muito mesmo, me identifiquei completamente. Convivo com esse pedestal a minha vida toda, e a todo momento eu sabia que essa expectativa poderia não ser correspondida, esse é um grande medo meu. No mais, parabéns pelo texto, você conseguiu construir muito bem e passar para nós seu sentimento.
ResponderExcluirQuerido Freddie, fico feliz que você tenha se identificado. É reconfortante saber que não passo por certas situações sozinha. Demorei um tempo para entender que não precisamos corresponder às expectativas dos outros, mesmo que sejam os nossos familiares. Espero que você consiga se libertar desse pedestal, assim como eu estou tentando. Abraços!
ExcluirSei bem como é viver aprisionada nas expectativas alheias, sem direito de errar e com a necessidade de ser perfeita o tempo todo. Nos rotulam fortes e inteligentes e nos tiram o direito de ser vulneráveis. Crônica maravilhosa!
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