sexta-feira, 13 de maio de 2022

 MOSAICO


 

Vez ou outra me quebro, faço isso comigo mesma e também permito que façam. Quando todos os meus cacos estão espalhados pelo chão me sinto sozinha, vazia, cansada e cortante. Ao mesmo tempo, vejo que se eu continuar nesse ciclo de me destruir e reconstruir vou perdendo um pouco da minha essência. Um caco perdido ali, outro caco que voou para o outro lado do corredor e assim sigo incompleta. Você conseguiria se montar por completo depois de uma queda? Acho que quanto maior a queda mais espalhados as suas partes ficam.

Não, eu não pretendo comprar outro copo. Eu amo os meus cacos coladinhos, mesmo faltando alguns pedaços. Sou um mosaico que foi atirado ao chão várias e várias vezes, mas como uma artista não devo desistir da minha obra. Pelo menos eu não desisto. O processo é doloroso, colar os cacos faz com que eu sangre, já me cortei com eles em diversos momentos. Juro que quase desisti de continuar naquele segundo em que eu vi meus pedaços no meio de uma poça de sangue no chão, nada parecia fazer sentido. Tive medo por estar anestesiada, eu não sentia vontade de continuar o mosaico, não sentia o caco ferindo a minha pele, apenas o sangue. Nesse momento eu não estava preocupada com o copo e não queria comprar outro nem nada do tipo. Eu estava prestes a varrer todos os cacos e jogá-los na lixeira. 

Gosto da arte e de como ela é mutável. Fico orgulhosa de mim mesma por não ter escolhido pegar a vassoura e acabar com tudo. Ainda há esperança para o artista. Por isso digo que prefiro ser o vaso, o copo, a taça ou o tapete remendado e com buracos do que não ser nada. Busquei esperança de tantas formas diferentes para conseguir ânimo e continuar a construção que hoje são raras as vezes que preciso fazê-las. Óbvio que vez ou outra acontece uma desilusão amorosa ali, outra quedinha aqui mas acho que por já ter caído tantas vezes meus pés acabaram firmando-se no chão. No final das contas a única coisa que temos somos nós mesmos, sou o copo, a arte e ao mesmo tempo o artista.
Por Dandara dos Palmares

4 comentários:

  1. Dandara, muito boa a sua construção ter sido montada em torno do mosaico, faz todo o sentido. Você tem muita criatividade. Seu jeito tão pessoal e seu de construir seus textos é sempre o diferencial. Sei que um texto é seu só pela forma como você se apropria dele na construção. Parabéns.
    Com afeto, Argus.

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  2. Querida Dandara, amei ver como sem querer, nós abordamos o tema "mosaico" de maneiras completamente diferentes. Esse também é o meu tema essa semana rsrs e mesmo assim, um texto não ficou nem um pouco parecido com o outro. Amo a sua escrita e cada vez mais quero ler seus textos.

    Beijos, Glória Maria.

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  3. O copo, a arte e o artista. Que lindo, Dandara! Você escreve como alguém que se conhece muito bem, palavras firmes e sensíveis na mesma medida. Adoro ler você.

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  4. Dandara, até agora, a sua crônica é a minha favorita. Eu fiquei vendo imagens enquanto lia as suas palavras. Vejo o colorido que você deve ser, com vários tons de uma mesma Dandara. Todos unidos por uma cola tão bem posta. A obra exposta para os visitantes. Os visitantes olhando para você e vendo que é possível ,sim, reconstruir-se. Que a mais verdadeira beleza está em aceitar a dura carga de sozinho se refazer. Parabéns por não comprar um copo. Parabéns pelo seu texto.

    Abraços do Liev.

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