EU APENAS ANDO
Sou metade humano, metade bicho. Começo assim para quem ninguém se engane. Tenho essas estranhas naturezas dentro de mim, engalfinhando-se ,raivosamente, enquanto tento escrever. Mas ai de mim se sou esperto o bastante para denunciar essas criaturas e o que elas fazem comigo. Porque não posso cortar e nem deixar que cortem pela garganta aquilo que é essencialmente a substância do meu ser.
A única coisa que posso dizer é que essas forças intensas me levam para lugares lindos e cheios de pessoas incríveis. E, em um golpe ,às escuras, tiram-me o sabor disso tudo, aquele gosto de sorriso se abrindo, o prazer de sentir o ar roçando nos bagunçados fios de cabelo, a palpitação da respiração em êxtase. Deixam o vazio. Porque elas bebem a minha energia em goles constantes. E a metade humana é que mais me dilacera.
É Lana, você não está sozinha, eu também tenho uma guerra em minha mente.
Porque quando coloco a cabeça no travesseiro e me pergunto “será que dei o meu melhor?”, a resposta é sempre o silêncio. Ninguém fala do outro lado do espectro. Se eu fosse um médium, talvez algum espírito me dissesse o que eu não estou vendo. Quem sabe se , por um acaso da vida, um sábio Machado de Assis ou uma autêntica Clarice Lispector aparecesse na minha frente e me gritasse aos ouvidos, eu me sentiria mais seguro? Você, Clarice, disse que “a vida é um soco no estômago”,por que você não vem e me dá um, assim, com carinho?
Tenho essa mania de querer o toque alheio. E quando não me sinto amado, enclausuro-me dentro de uma gruta, esperando que todos ao meu redor esqueçam de mim. Parece que algo vai ficando dormente, apodrecendo, até que morra de vez e eu me veja sem forças para reagir. Sem forças para andar,lentamente, em direção a parca luz que aparece lá longe, mas que está lá aguardando por mim. Viena espera por mim, Billy Joel, eu sei. Ontem, entrei ,novamente, neste lugar confortável que chamo de lar. Escrevo daqui, da minha amada gruta, mas com um olho na escuridão e outro naquele dourado dia que se passa.
Esse ir e vir de um lugar a outro é a matéria da minha existência. Talvez a minha autossabotagem se alimente dos meus dias de pura desorientação, quando acabo beijando a boca da morte, só porque o hálito que eu sinto na face é mais quente. Talvez porque a nossa relação é mais sólida e ela me lembre de alguns dias da infância, nos quais eu sofria bullying, discriminação e até abuso por ser quem eu sou. E era ela quem sempre esteve esperando por mim na cama, com um abraço de boa noite.
Não me diga o óbvio, porque de obviedade estou cheio. Eu sei que amanhã vai ser outro dia. Vejo que já sinto mais forças que ontem e já posso encarar o mundo de frente amanhã.
Um dia eu fecho essa gruta com concreto para que eu e ninguém mais entre. Um dia.
Por Liev Vitorino
Querido Liev, compreendo o que é viver travando uma guerra, mas lembre-se que assim como a Lana, você tem duas opções: jogar o jogo de alguém ou viver a sua própria vida. Espero que você consiga sair "out of black into the blue" e que atinja o domínio de si mesmo. Desejo que você se acolha também, quando leio os seus textos sinto muita vontade de te abraçar, você transmite uma gentileza nas palavras... ainda que sejam pesadas, mas atenuadas pelo teor poético. Desejo que fique bem, parabéns pelo texto!
ResponderExcluirQuerido Liev, quando li o seu texto senti que você trava uma constante batalha consigo mesmo e que a sua escrita carrega uma vontade de libertação. Infelizmente, todos temos dias bons e ruins. Estamos constantemente lutando pela nossa melhor versão. Sempre que precisar desabafar sobre algo, estaremos aqui para te acolher! Parabéns pelo seu texto, tão sensível e ao mesmo tempo direto e poético.
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