segunda-feira, 22 de maio de 2017

A Justiceira de Kerala

E foi assim que aconteceu.

Toda sexta-feira, eu saía da faculdade e vinha pra casa. Minha mãe sempre faz Malabar Biriyani. É o prato favorito do meu pai. E ele estava doente. Toda sexta-feira, eu chegava em casa e encontrava meu pai deitado na sua cama, minha mãe ao seu lado tremendo e um homem ao seu redor, orando por sua melhora. De início, achei uma ótima ideia. Papai tinha entrado naquela situação de uma hora para outra e não parecia melhor. Quem sabe um guru poderia gerar alguma mudança?

Certa sexta-feira, volto pra casa, encontro minha mãe sentada ao lado de papai. Aviso a ela que já almocei e que irei direto para o quarto. Dou-lhe um abraço, beijo a testa de meu pai e sigo pro quarto. Subo as escadas, observo as fotografias. Com um leve sorriso, termino o último lance das escadas, viro o corredor e chego ao quarto. Uns 10 minutos depois, escuto as escadas rangerem, pegadas se aproximarem do quarto. “Mãe?”, perguntei. O guru negou, disse que mamãe pediu um momento sozinha com meu pai e que ele veio saber se eu gostaria de um pouco de Malabar Biriyani. Respondi que estava satisfeita. Mas ele continuou perguntando, perguntando e perguntando. Disse que não queria. Ele aproximou o prato próximo ao meu rosto. Falou que se eu não comesse, ninguém ofereceria depois. Disse que não queria. Falou que eu sempre pareci estar faminta e que sempre quis o Malabar. Disse que não queria. Acho que ele cansou de perguntar. Segurou meu rosto, abriu minha boca e começou a colocar a comida. A partir daí, tornou-se uma rotina. Toda sexta-feira, eu chegaria
em casa e ele me faria comer o Malabar. Falou que caso eu me negasse, ele falaria pra minha mãe que eu não gostava da comida dela. E assim ficou. Foram duros seis anos de ingestão do Malabar.

Em outra sexta-feira, cheguei em casa e fui direto para o quarto do meu pai. Quem sabe um momento especial com ele pudesse me fazer esquecer do que haveria em seguida. Senti meu pai apertar minha mão pela primeira vez. Fui ao meu quarto, sentei na cama e esperei. Quando o guru chegou, trazia consigo o Malabar de sempre. Tentou fazer conversa fiada de início, mas logo retirou a toalha que cobria o prato. Estendeu pra mim, como se fosse uma preciosidade a ser entregue de presente. Olhei para o prato e entendi. Dessa vez eu me recusaria a comer. Arremessei o Malabar Biriyani longe, fazendo uma imensa sujeira. O guru teve até que ser levado ao hospital para se limpar do Malabar, mas disseram que ele ficaria com uma marca de molho. Uma pena. Outro dia, passou no jornal uma situação parecida. Parece que um sacerdote foi preso por também forçar uma menina a comer. Mas Erucherri era a comida da vez. Acho que eles eram vegetarianos. 

O que têm esses homens para ficar nos forçando a comer? A barriga não é deles. De qualquer forma, o guru nunca mais me fará comer aquela comida. Nem a ninguém.

Alice Moon

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