sexta-feira, 5 de maio de 2017

Qualquer semelhança é mera coincidência

Miguel detinha, por posse, uma velha casa de pau-brasil, situada à beira do Atlântico,
que há tempos dava sinais de que viria a ruir, de maneira similar à residência de seu
vizinho Papadopoulos. A última vez em que se fizera alguma obra profunda datava
mais de 50 anos, e a obsoleta estrutura já estava comprometida. Drica, sua ex-mulher,
já havia percebido que os cupins, consumindo cada vez mais a madeira, em algum
momento iriam levar a moradia deles abaixo. No entanto, com medo de seus filhos
virem a ter algum tipo de reação ao inseticida, preferiu deixar a obra para depois e
gastou o dinheiro reservado para tal em mandioca, no intuito de agradar sua amada
prole. O marido, chateado com o desvio de função da verba, pediu o divórcio. Edualdo,
seu filho mais novo, o apoiou. Ronan ficou reticente - gostava muito do tubérculo
comprado pela mãe - mas acabou por também ficar ao lado do pai. Pelo menos assim
dizia estar. Após despedir-se de Drica com um angustiante “Tchau, querida”, Miguel
resolveu, enfim, reformar a casa. Antes da obra, fez-se necessária a solução do
problema com os cupins. Para tanto, foi chamado um dos especialistas da região,
Maranelo Gaetano. Antigo estudioso do assunto, após análise minuciosa chegou ao
entendimento de que os insetos haviam sofrido uma espécie de mutação genética
devido a disfunções climáticas.
- Tenho convicções que seja culpa do Aquecimento Global, constatou.
Fato é que tal alteração, apesar de diminuir as taxas de natalidade ao tornar parte do
grupo infértil, prolongava a expectativa de vida dos pequenos devoradores, fazendo
com que a colônia aumentasse cada vez mais. Sendo a madeira limitada e o consumo
aumentando de maneira desordenada, a conta era óbvia: Faltaria casa para tanto
cupim. Ronan, com toda a sua inocência e ainda chateado com a separação,
questionou o pai:
- Temos tanta madeira sobressalente espalhada lá no quintal, não poderíamos, ao
invés de eliminar os pobres animaizinhos, colocá-los para se alimentar do superávit do
que há lá fora?
Miguel, emocionado com a pureza do filho, retrucou:
- E o que faremos quando a madeira do quintal também acabar? Além disto, aquela já
possui destinação. Será utilizada para construir a garagem. “Tampar um buraco
cavando outro” não resolve o problema, Ronan.
Esperto e sensato que era, o garoto concordou com a assertiva.
Maranelo espalhou por toda parte uma solução que eliminou os parasitas. Primeira
etapa concluída, o próximo passo era refazer a parte estrutural, já muito corrompida
por anos de negligência. Após muito barulho, reclamações dos vizinhos e incômodo
com a poeira, a reforma foi concluída com sucesso. Para comemorar, o patriarca saiu
com os filhos para jantar e anunciar novidades.
- O que estamos comemorando, papai? – Perguntou o curioso Dudu.
- Consegui matricular vocês numa instituição de ensino no exterior. Vocês se mudam
amanhã.
- Mas por que isto agora?
- Você não viu os jornais? Aprovaram a Reforma da Previdência. Não permitirei que
você e seu irmão trabalhem até morrer.
- Que sorte a nossa, termos você como pai. Lhe amamos.
E todos viveram felizes para sempre.

Alunx Wolverine.

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