segunda-feira, 1 de maio de 2017

Ainda somos os mesmos

Meu nome não importa. De onde sou muito menos. Poderia dizer, mas provavelmente ouviria a
velha frase que me dói no peito toda vez: "Ah, é índio, né? Tudo igual". Não importa também dizer
quando morri. Talvez eu nem saiba a data exata nesse calendário de vocês.
O que importa dizer é que mesmo após a morte, mesmo após me tornar um com a natureza e
encontrar todos os meus deuses que vocês tanto dizem não existir, eu não encontrei a paz. Eu não
fui para o meu paraíso encontrar meu criador. Ao invés disso, choro. Choro por mais de 500 anos
esperando o dia em que as pessoas terão respeito pelas outras. O dia em que os interesses pessoais
não falarão mais alto. Esse dia não é hoje.
Lado a lado com uma guerreira desse triste país, nos tornamos uma só e fomos até Brasília
protestar. Apesar de todos esses anos eu ainda não fui capaz de entender o motivo de todo esse
massacre. Pedimos respeito à natureza e ao nosso povo. Pedimos para que não nos isolassem.
Pedimos para que respeitassem o nosso lugar. Também protestamos. Marchamos, gritamos,
mostramos quantos já morreram além de mim. No corpo dessa guerreira abracei outras, e logo
estava presente em muitas. Estava feliz. Sentia a energia delas em mim.
Rapidamente tudo mudou. Tiros, bombas, fumaça, correria, desespero. Mesmo assim não poderia
sair do lado delas. Não agora. Passei pelo mesmo sofrimento ao longo desses 500 anos, mas hoje vai
ser diferente. Aguentarei por elas. Hoje vai ser diferente.
De repente, perco a conexão com todas. Uma a uma. Corpos estirados no chão, sangue, sofrimento,
dor. Hoje vai ser diferente.
Dia 25 de abril de 2017 vai ser diferente.

Não foi.

Michael Douglas

4 comentários:

  1. - Um bom ponto de vista, sem dúvida, não?
    - Gostei.
    - Uma divindade perdida talvez? Uma crença a muito abandonada?
    - Não sei. Mas, perene. Não era pra ser assim?
    - Exato, meu caro. Está de parabéns.

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  2. Adorei a forma como escreveu. Quem lê respira, pausa, entende o cansaço e a dor do povo que retratou. Muito bem escrito.

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  3. Como a Nina falou, seu texto tem um lirismo de qualidade. Parabéns!

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  4. o começo não me prendeu, mas fico feliz de ter lido até o final!

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