- Finalmente, Mecânico! Finalmente!
- O que, Corvo? O que houve?
- Me deram a oportunidade, enfim, de falar sobre você! Ora, o que mais me eriçaria as penas assim?!
- Hm...
- Não adianta se remexer aí sentado. Vamos, explique, porquê você é a favor da reforma? Faça-os te odiar!
- Para. Sabe que num é assim.
- É sim, você sabe que não serão parcimoniosos. Nem cuidadosos. Não! Não ouse perguntar! Você sabe o que "parcimoniosos" significa.
- Pergunta então.
- Vou perguntar! Mecânico: velho, surrado, falando com um Corvo, porquê você é a favor?
- ...
- Vamos! Vamos!
- Tá! Calma...
- ...
- ...
- Fal...
- Tenho trabalho me esperando.
- Mas não precisa! Chegou ao fim, meu caro, não percebe?
- Nã...
- Chegou! Já deu! Você não deve a ninguém! Há dinheiro, você, eu, todos sabemos que há dinheiro!!! Então porquê ficar sujando essa pele ruça com mais e mais graxa? Já deu, meu velho!
- ...
- Já deu...
- ...
- O que vai pegar? Não, não levante, não acabamos a... O que é isso? Sua cartei... Carteira de Trabalho! Ha! Mudou de ideia, eu sabia!
- Só abre.
- Hm... hmm... uhum, uhum... Mecânico! Isso é perfeito! É só isso, leva, tem mais documentos, é claro, burocracia, mas, com isso aí...
- Não, Corvo. Chega. Eu... num vô parar.
- Ah não, ah não, nada disso! Você, sempre ai, debaixo desses carros! Essas máquinas infernais! Nasceu negro ou foi a graxa que você nunca limpou?! Como você pode não se importar!
- Eu num sei. Num sei o que fazê, Corvo.
- Oh...
- Pois é. Eu tinha lá pros meus treze. Quinze. Já num lembro. É quando os miúdos querem ser grandes, e fazem as besteiras de sempre. Lá na comunidade, uns pegam nas armas. Outros nas drogas. Uns cados nos livros. Nunca fui do primeiro tipo. Nem do segundo. E mesmo assim, o João morreu.
- João? Um... conhecido seu?
- Amigo. Ele fala o "cumpanheiro". Pegava nos livros, era do tipo dos livros. A gente passava a tarde toda conversando. Eu sempre debaixo de um carro. Até que as balas acharam ele. Tudo que tá perdido, acha um dono. Elas acharam ele.
- ...
- Parei de ouvir dos livros. Só trabalhei. A época de pensar, passou. Perdi. Não aprendi a pensar. Aprendi a trocar óleo, aparafusá, consertá uma fiação. Cuidar das máquinas. Eu... sou um Mecânico, Corvo. E só.
- ...
- Se eu parasse, bem, o corpo tá velho. A cabeça, caduca. Num sei pensar. E se parasse, ia sê só o que ia tê pra fazê.
- Me lembre, Mecânico, por favor.
- De que?
- Quando for devorá-lo, será com dignidade. Você é especial, afinal, meu caro.
- Mas é por isso que pedi pra você escrevê, Corvo. Especial ou não, você vai me devorar.
O Mecânico e O Corvo
- Corvo, num tem nada errado?
ResponderExcluir- O que poderia estar errado, meu caro?
- Acho que as pergunta. Mas num sei dizer o PORQUÊ.
- Como assim, homem sujo? Está falando DE QUÊ?!
- Eu num sô estudado, Corvo. Só tô falando PORQUE é uma das coisa que eu lembro. POR QUE num estudei mais? Ia sabê explicá...
- Faça-se entender! Sei que é difícil para você, mas quero entender o chiste que está contando.
- No texto... mas Corvo, cê num vê TV, POR QUÊ?
- Não tenho tempo para bobagens televisivas, parvo! Não há nenhuma resposta para questões relevantes lá. Mas isso lá tem algo a ver com o texto?
- É que uma vez eu ouvi que num é resposta que move o mundo, que é as pergunta. Fiquei matutando. Passei a prestá atenção nos 'por quê' da vida. Acho que foi isso.
- Ora, temos uma porção de esclarecimento aqui! E quem foi que lhe disse isso? Não me diga que leu algum pensador? Diga o nome!
- Li nada não. Foi na TV mesmo.
- Na TV?!
- É, Corvo. Ah, é por isso que cê num sabe então... parece que mesmo vendo bobagem, hoje eu fui corvo e você foi parvo.
Brincadeiras à parte, mantenho minha opinião sobre o diálogo sobrepujar o tema. No entanto, o equilíbrio do texto é maior - e isso é visível. Notei também uma tentativa de quebrar a parede com os leitores, mostrando que o Corvo e o Mecânico sabem que estamos observando a conversa. Bom! Também gostei do ponto de vista abordado.
ResponderExcluirVi alguns comentários falando sobre a insistência nos personagens e cheguei a comentar sobre. Parece realmente estar formando um estilo único, pois não vejo uma forma de abordar o Mecânico e o Corvo sem o diálogo. Gostando ou não, é ponto positivo.
Um abraço.
O texto é bom, mas acho que divagou muito dos temas centrais propostos, parece que o foco é mais a vida passada do mecânico em meio a condições sociais desfavoráveis do que a reforma previdenciaria em si.
ResponderExcluirO texto é bom, mas acho que divagou muito dos temas centrais propostos, parece que o foco é mais a vida passada do mecânico em meio a condições sociais desfavoráveis do que a reforma previdenciaria em si.
ResponderExcluirNão consegui enxergar a proposta "a reforma da previdência" no texto. O corvo e o mecânico encontram-se tão confusos, que se perdem no próprio diálogo. E não é a primeira vez.
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